Do específico para o abrangente
Rafael Canedo e Silvia Buarque em O Estranho Caso do Cachorro Morto (Foto: Cezar Moraes)
O Estranho Caso do Cachorro Morto, livro de Mark Haddon adaptado para o teatro por Simon Stephens e com tradução a cargo de Rodrigo Fonseca, é centrado em Christopher, adolescente autista que, ao investigar o assassinato do animal do título, acaba fazendo descobertas importantes e desestabilizadores em relação à sua vida, no que se refere à cumplicidade com o pai e à ausência da mãe. A partir de um fato específico, Haddon, portanto, descortina um panorama afetivo mais amplo.
Em cartaz no Teatro do Leblon – Sala Marília Pêra, a montagem fornece uma boa oportunidade ao ator encarregado do personagem principal e Rafael Canedo apresenta uma composição que, apesar de bastante realçada, não resulta cristalizada ou tão-somente artificial. Thelmo Fernandes também constrói o pai como uma figura próxima, crível, em seus instantes catárticos decorrentes de acontecimentos ocultados. E Silvia Buarque dosa com delicadeza a intensidade da mãe. Os demais atores têm chances reduzidas, alguns por surgirem em papéis excessivamente circunstanciais e outros pela maneira como despontam na adaptação, a exemplo da professora Siobhan, limitada a monótona leitura.
O modo questionável com que determinados personagens são incluídos esfria a encenação de Moacyr Góes, que se torna expositiva, sem muita pulsação quando a ação se desloca do vínculo passional entre pai e filho. A cenografia de Ana Santanna e Monica Martins, formada por objetos coloridos e geométricos, remete ao universo infantil e à conexão de Christopher com a matemática, mas não adquire propriamente função. O vídeo de Lucas Canavarro e Renan Brandão destaca um momento relevante na travessia de Christopher, sem, porém, ultrapassar o plano ilustrativo. Os figurinos de Joana Mendonça e Luiza Oliveira são adequados para o protagonista, mas não para Siobhan. A iluminação de Tomás Ribas sugere a jornada de Christopher, a trilha que percorre para acessar verdades até então interditadas.
É difícil localizar O Estranho Caso do Cachorro Morto dentro da carreira de encenador de Moacyr Góes, talvez porque o diretor esteja, nos últimos anos, tateando caminhos, oscilando entre certa retomada do vigor experimental de seus espetáculos da década de 1980 e o investimento num perfil de montagem de reverberação mais imediata junto ao público.