Divertida defesa do teatro
Thelmo Fernandes e Ricardo Blat em A Arte da Comédia, que encerra temporada no Teatro Carlos Gomes (Foto: Paula Kossatz)
O espectador brasileiro se depara, apenas ocasionalmente, com a dramaturgia do napolitano Eduardo De Filippo. As primeiras iniciativas remetem às encenações de Filumena, qual é o meu? (Filumena Maturano), realizada pela companhia de Jaime Costa, na década de 50, e de Esses Fantasmas, na versão de Ruggero Jacobbi para a companhia de Procópio Ferreira. Se no passado a falta de constância se devia a restrições do próprio De Filippo – que se posicionava contra o sistema de governo brasileiro e afirmava não haver recebido os direitos autorais de montagens de suas peças –, a partir da metade dos anos 80 – quando Mimina Roveda e Paulo Mamede, após a morte do dramaturgo, conseguiram as liberações de Sábado, Domingo e Segunda e Filumena Marturano para encenar no Teatro dos 4 – os artistas do país passaram a ter acesso mais facilitado à sua obra.
Mas o público carioca continuou tendo pouco contato com os textos de Filippo – entre as raras visitas à sua dramaturgia, vale lembrar da montagem de Marcelo Marchioro para Sábado, Domingo e Segunda, já no início do século XXI. Talvez a dificuldade, nos dias de hoje, resida na viabilidade da produção: uma peça como A Arte da Comédia pede um elenco de cerca de dez atores, uma ousadia para os padrões do aqui/agora. E são justamente os obstáculos enfrentados para fazer teatro que vêm à tona nessa peça, que, escrita em 1968, permanece atual. O embate entre o artista e a autoridade pública está no centro do texto, que confronta um diretor abalado pelo incêndio que consumiu o barracão onde o grupo ensaiava com um prefeito recém-chegado.
Eduardo De Filippo defende politicamente o teatro, uma postura natural para alguém que acumulou funções artísticas (além de autor, foi ator e diretor) com o cargo de senador. Oriundo de família teatral – capitaneou companhia, a Teatro Humorístico, voltada para a comédia napolitana do século XIX –, De Filippo realça, em A Arte da Comédia, as valiosas especificidades dessa manifestação, como a possibilidade de estimular a imaginação do espectador sem concretizar tudo diante de seus olhos e a figura do ator popular, capaz de se metamorfosear na interpretação dos mais diversos personagens.
Sergio Módena preserva, no espetáculo que encerra temporada no Teatro Carlos Gomes depois de passar pelo Teatro Maison de France, o sabor da peça de Eduardo De Filippo através de uma cena fluente, ainda que a voltagem de humor não seja mantida na mesma intensidade após a passagem do padre. É também o momento em que os personagens mais episódicos (e, por isso, mais complicados de serem sustentados pelos atores) irrompem no palco.
Em todo caso, essa montagem de A Arte da Comédia conta com elenco adequado, cabendo destacar a precisão com que Ricardo Blat imprime concretude às reivindicações de seu personagem, o apreciável timing de Thelmo Fernandes, tirando partido das reações descontroladas do prefeito, a divertida cena de Celso André e, em especial, a composição impecável de André Dias para o atrapalhado assistente do prefeito. Contribuindo para o bom acabamento da encenação, a cenografia de Aurora dos Campos, composta por elementos suspensos que formam o gabinete do prefeito, onde se desenrola quase toda a ação, e a trilha sonora de Gabriel Mesquita, afinada com o pique de humor do texto.