Cena determinada pela espacialidade
Luciana Fávero e Gustavo Falcão em Garagem, montagem da Cia. Epigenia (Foto: Guga Melgar)
O esforço em aproveitar espaços não-convencionais é bem-vindo, tanto devido à defasagem entre a quantidade de montagens e o reduzido número de teatros no Rio de Janeiro quanto à tentativa de não permanecer atado tão-somente às salas institucionalizadas. Esse novo espetáculo da Cia. Epigenia está em cartaz numa área da garagem do shopping Rio Sul que serve de ambientação ao texto assinado pelo próprio diretor Gustavo Paso, centrado no cotidiano de um personagem que ao perder todo o seu patrimônio passa a morar numa vaga da garagem de seu prédio.
Paso rompe com uma perspectiva tradicionalmente cenográfica. Ao invés de reconstituir a atmosfera da garagem numa sala de teatro, realiza a montagem numa garagem de fato – mesmo que os espaços não sejam idênticos. Afinal, a garagem do shopping evoca a de um prédio residencial. No entanto, ao se apropriar de uma área comercial, de livre trânsito (os espectadores assistem à encenação numa parte isolada, inacessível aos frequentadores do shopping), Gustavo Paso potencializa a discussão sobre a fronteira entre o público e o privado, delimitação tênue nos dias de hoje.
Em parceria com Teca Fichinski (também encarregada dos figurinos), Paso reproduz a movimentação incessante de uma garagem e ambienta determinadas cenas não só na vaga ocupada pelo morador como dentro de carros. Na iluminação, Paulo César Medeiros faz bom uso dos abajures incumbidos da luz natural da garagem, utilizando-os, vez por outra, para particularizar instantes mais intimistas e complementa com refletores localizados nas laterais e no fundo do espaço. As projeções se justificam apenas ocasionalmente como recurso.
Na dramaturgia, Gustavo Paso investe numa transição bem perceptível. De início, apresenta os diversos tipos – os moradores do prédio que gravitam ao redor do protagonista – e como cada um lida com a circunstância inusitada de ter um vizinho instalado na garagem. Aos poucos, o autor concentra o foco no personagem principal e transita da bem-humorada observação das mazelas do dia-a-dia para uma abordagem mais adensada. Paso não alcança equilíbrio nessa estrutura, especialmente na primeira metade, episódica demais. E há cenas que se alongam para além do tempo necessário, o que torna o espetáculo esgarçado.
O excesso de personagens, nem sempre muito desenvolvidos, limita, em certa medida, as possibilidades interpretativas dos atores. Independentemente do texto, porém, alguns se mostram imaturos em cena. No elenco, cabe destacar os trabalhos de Felipe Miguel (responsável pela trilha sonora com André Poyart), que se desdobra nos papéis do adolescente e do ladrão, revelando apreciável espontaneidade no primeiro, Luciana Fávero, apesar da passagem do embate com o ex-marido destoar do conjunto, e, principalmente, Gustavo Falcão, que reage com precisão às contracenas, e Luiz Carlos Miele, que dimensiona de forma concreta o drama do personagem através de uma fala repleta de imagens. As restrições não anulam o valor de Garagem, montagem que representa um avanço da Cia. Epigenia.