Destaques de um ano difícil
Yara de Novaes e Jorge Emil em Uma Espécie de Alasca (Foto: Leekyung Kim)
Num ano especialmente conturbado para o teatro no Rio de Janeiro – marcado pela falta de apoio, pela perda definitiva ou temporária de espaços e por temporadas cada vez mais curtas –, encenações diversificadas e de qualidade sustentaram a temporada.
Além dos espetáculos destacados, muitos outros trabalhos merecem menção: as atuações de Gabriela Rosas em Perdoa-me por me Traíres, Blackyva em Balé Ralé, Carol Fazu em Janis, Claudio Gabriel em Hollywood, Alexandre Varella em Tubarões, Mario Borges em Doce Pássaro da Juventude, Karen Coelho em Os Sete Gatinhos, Savio Moll em Círculo da Transformação em Espelho e Heloisa Jorge em O Jornal; as direções de Inez Viana em Mata teu Pai e Pedro Kosovski em Tripas; as cenografias de Mina Quental em Mata teu Pai, Carla Berri e Paulo de Moraes em Hamlet, Marco André Nunes e Marcelo Marques em Guanabara Canibal, Fernando Mello da Costa em Os Sete Gatinhos e Lidia Kosovski em Tripas; as iluminações de Maneco Quinderé em Hamlet, Tomás Ribas em Estes Fantasmas, Bernardo Lorga em Festa de Aniversário, Wagner Freire em Pagliacci e Paulo César Medeiros em O Jornal; os trabalhos de música de Marcelo Alonso Neves em Estes Fantasmas e Dançando no Escuro, Ricco Viana em Hamlet, Felipe Storino em Guanabara Canibal, André Poyart em Festa de Aniversário e Dr. Morris em Projeto Pentesileia – Treinamento para a Batalha Final.
Também cabe chamar atenção para outras iniciativas: de Dib Carneiro Neto e Rodrigo Audi pela organização do livro Imaginai! – O Teatro de Gabriel Villela, de Aury Porto pela idealização do livro Imersão na Selva; de Hanimais Estranhos e Projeto Beckett pela idealização de Em Cia. de Samuel Beckett; e de Marcus Malafaia pela concepção da Mostra Mundo Giramundo.
Destaques:
ADEUS, PALHAÇOS MORTOS – Nessa adaptação de Pequenos Trabalhos para Velhos Palhaços, do dramaturgo romeno Matei Visniec, José Roberto Jardim, diretor do espetáculo da Academia de Palhaços, desconstrói o perfeccionismo tecnológico a partir do qual, a princípio, o espetáculo parece ter sido erguido. As cenas se sucedem como quadros vivos dentro de um cubo.
UM BONDE CHAMADO DESEJO – Rafael Gomes procura lançar um olhar inquieto em relação à peça de Tennessee Williams. Maria Luísa Mendonça revela atuação de fôlego ao transitar com habilidade por estados emocionais diversos projetando, com sensibilidade, a extrema fragilidade de Blanche. Na cenografia, André Cortez concebe uma estrutura claustrofóbica que dimensiona a importância dos espaços reduzidos, compartimentados, para o acirramento do embate com a protagonista.
UMA ESPÉCIE DE ALASCA – A montagem de Gabriel Fontes Paiva para o texto de Harold Pinter impacta pela dramaturgia física evidenciada na interpretação minuciosa de Yara de Novaes para uma personagem deslocada no tempo. Certa indefinição temporal sobressai na cenografia, que situa os personagens em espaço desértico, cuja aridez é parcialmente minimizada pela evocação do mar.
O GRANDE SUCESSO – O autor e diretor Diego Fortes caminha em sentido contrário ao do perfeccionismo ao manter na encenação erros, interrupções, tombos, acidentes de percurso, reconstituindo com certa fidelidade o ambiente algo caótico dos bastidores de um teatro. Conjuga arte e vida ao revestir a encenação de artifícios não com o intuito de ostentá-los, mas de denunciar a falsidade da atuação.
LOVE, LOVE, LOVE – Nessa montagem do Grupo 3 de Teatro, conduzida por Eric Lenate, para o texto do britânico Mike Bartlett, as interpretações de Yara de Novaes, Debora Falabella e Rafael Primot se destacam. As mudanças nas vidas dos personagens decorrentes do curso do tempo são condensadas na cenografia de André Cortez, que resume variações comportamentais por meio das alterações realizadas num sofá e numa visualidade cada vez menos caótica e mais asséptica.
A SALA LARANJA: NO JARDIM DE INFÂNCIA – Nem tudo o que ocorre na creche onde se passa a ação da peça da argentina Victoria Hladilo é visto pelo espectador. O espectador é estimulado a realizar projeções de espaços invisíveis. Nessa montagem dirigida por Victor Garcia Peralta, os atores interpretam figuras tipificadas (a controladora, a zen, a histérica, etc.), ultrapassando, porém, esquematismos devido ao timing ajustado e ao entrosamento no palco.
SE MEU APARTAMENTO FALASSE – Ambientada nos anos 1960, a história de Neil Simon, encenada nesse novo musical da dupla Möeller/Botelho, destaca a solidão na cidade grande. A qualidade, evidenciada nas canções de Burt Bacharach, se estende ao elenco, a julgar pelos trabalhos de Marcelo Médici, Malu Rodrigues, Maria Clara Gueiros e André Dias.
SUASSUNA, O AUTO DO REINO DO SOL – Nessa encenação dirigida por Luiz Carlos Vasconcelos, o grupo Barca dos Corações Partidos mergulha no universo de Ariano Suassuna. O espetáculo esbanja criatividade nos figurinos de Kika Lopes e Heloisa Stockler. A música, resultado da parceria entre Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho, comprova a qualidade da homenagem. No elenco, não há como deixar de destacar as criações de Adrén Alves nas duas personagens femininas.
TOM NA FAZENDA – A montagem dirigida por Rodrigo Portella resulta de uma leitura personalizada da peça do canadense Michel Marc Bouchard, mas não impositiva em relação ao texto. Apesar de sinalizar o meio onde a história se desenrola (uma fazenda isolada), a cenografia de Aurora dos Campos intensifica a força primitiva que move os personagens. Conduzindo peça marcada por sucessão de embates, o diretor encaminha Armando Babaioff e Gustavo Vaz para um registro visceral.
ZECA PAGODINHO – UMA HISTÓRIA DE AMOR AO SAMBA – Gustavo Gasparani subverte o tradicional formato biográfico por meio de alguns procedimentos. Adota estruturação intencionalmente “caótica” ao invés de apresentar a trajetória do homenageado em ordem cronológica. O objetivo parece estar em priorizar a captação do universo do cantor, em especial no que se refere ao seu inquebrantável vínculo com o subúrbio, em detrimento da obrigação de oferecer ao público o passo a passo de uma jornada.