Despojamento até certo ponto
Juca de Oliveira em Rei Lear, tragédia adaptada para o formato de monólogo (Foto: João Caldas)
A montagem de Rei Lear, atualmente em cartaz no Teatro dos Quatro, se anuncia como defesa de um teatro essencial, evidenciada pela presença de um único ator em cena – Juca de Oliveira – que se desdobra em diversos personagens da caudalosa tragédia de William Shakespeare. Há um claro intuito de valorizar o ator, de lembrar que é o centro do acontecimento teatral, o elemento sem o qual essa manifestação artística não tem como ocorrer. Mas a própria montagem de Elias Andreato coloca em tensão, em alguma medida, essa perspectiva, no que se refere à utilização das demais criações que integram a encenação.
Se os objetos cenográficos são quase reduzidos ao mínimo e os figurinos sugerem neutralidade (ambos os “quesitos” a cargo de Fabio Namatame), a iluminação (de Wagner Freire) e a trilha sonora (de Daniel Maia) se impõem como componentes menos discretos. No primeiro caso imperam cores intensas. A luz se mostra cada vez mais interveniente no decorrer do processo de enlouquecimento de Lear. E a luz é empregada para simbolizar vários personagens, recurso que se torna repetitivo ao longo da apresentação. Já no que diz respeito à música há um tom algo grandiloquente, épico, que traz à tona uma possível influência das versões cinematográficas de Akira Kurosawa para peças de Shakespeare – Trono Manchado de Sangue, a partir de Macbeth, e Ran, de Rei Lear.
Juca de Oliveira é um Lear de voz enérgica reforçada por gestos. Ainda que o caráter enérgico também apareça em outros personagens, o ator procura diferenciá-los. Entretanto, o desafio do mesmo ator fazer muitos personagens durante o espetáculo praticamente inviabiliza interpretações mais verticalizadas. Há uma perda de substância, uma simplificação perceptível, aliás, desde o estágio da adaptação do texto, de Geraldo Carneiro (que inseriu, logo no início, um trecho da famosa recomendação de Hamlet aos atores de sua peça concebida com a intenção de revelar a verdade acerca das circunstâncias relacionadas à morte de seu pai).
Rei Lear desponta como um projeto cenicamente despojado, calcado no trabalho do ator. A realização, porém, não confirma por inteiro essa plataforma. Há uma certa contradição que, ao mesmo tempo em que sinaliza um descompasso entre proposta e resultado, pode se constituir como ponto de interesse na análise dessa montagem.