Correspondência sem espelhamento
Felipe Rocha, Cristina Amadeo, Isio Ghelman e Tainá Müller em Os Desajustados (Foto: Murilo Meirelles)
Luciana Pessanha se inspirou numa célebre foto de Bruce Davidson que reúne dois casais famosos – Marilyn Monroe/Arthur Miller, Simone Signoret/Yves Montand – no Beverly Hills Hotel para tecer a dramaturgia de Os Desajustados, título que faz referência ao filme de John Huston rodado por Monroe no início da década de 1960. A montagem de Daniel Dantas, em cartaz no teatro do Oi Futuro/Flamengo, foi concebida a partir da interação entre foto e cena, imagem parada e em movimento, passado e presente.
É interessante observar a conexão entre as cenas realizadas no palco e as fotos projetadas ao fundo. Há um jogo de correspondência direta, mas não de espelhamento, uma vez que existem evidentes e inevitáveis diferenças. As fotos trazem os atores/personagens em expressivos flagrantes congelados e revelam angulações, recortes, pontos de vista.
A autora se debruça sobre a relação entre as figuras reais, destacando a tendência, concentrada em Monroe, de atuar permanentemente no cotidiano, como se não conseguisse se libertar de uma máscara diante do mundo, em que pese sua insatisfação com o aprisionamento num perfil estereotipado nas produções cinematográficas das quais participa. Os outros, de certa forma, gravitam em torno dessa atriz-estrela: Arthur Miller surge como um marido submisso, de pouca personalidade, até o instante em que externa o que sente; Simone Signoret confronta Monroe, apontando sua imaturidade e habilidade para manipular os homens ao redor; e Yves Montand demonstra fascínio pela imagem sedutora de Monroe e opressão decorrente da análise sempre contundente da esposa, Signoret. Apesar da inventiva base para a escrita do texto e do refinamento inerente ao universo dos artistas evocados, as questões realçadas pela autora soam de segunda mão, já abordadas em peças voltadas para matrimônios em crise.
O desgaste temático é minimizado, em parte, pelas interpretações dos atores, competentes, mas sem brilho especial. Cristina Amadeo, mesmo não alcançando organicidade na cena do descontrole de riso, imprime credibilidade ao estado de espírito e às transições emocionais de Signoret. Felipe Rocha se apoia no sotaque francês, algo justificado dentro da dramaturgia, afastando-se do risco do maneirismo vocal à medida que Montand adquire carga passional. Isio Ghelman encontra mais oportunidade ao final, quando Miller verbaliza o esgotamento diante da esposa. Tainá Müller dá vazão a desenho infantilizado de Monroe sintonizado com as indicações da dramaturgia, mas a atriz se mostra um tanto linear. A inclusão de um fotógrafo no palco – simbolizando Davidson, cuja presença desestabiliza ainda mais os personagens, incomodados com a exposição em momento privado – tem resultado postiço.
Adequada às dimensões reduzidas do palco do Oi Futuro, a encenação é marcada pelo minimalismo, pela contenção de elementos. A cenografia de Marcelo Lipiani e Fernanda Vizeu é sintética. A sobriedade das cores neutras e dos tons fechados impera nos figurinos de Marcelo Olinto. A iluminação de Renato Machado delimita áreas nas passagens em que os personagens interagem separadamente.
Em Os Desajustados, a originalidade da proposta dramatúrgica contrasta com um desenvolvimento déjà vu, sem, porém, anular a curiosidade que atravessa a encenação.