Contundente exposição da ruína
Cena de Killer Joe, montagem de Mario Bortolotto em cartaz no Teatro Poeira (Foto: Hudson Motta)
Mario Bortolotto parece ter encontrado em Killer Joe, texto de Tracy Letts, um universo bastante próximo do que costuma abordar em sua dramaturgia – o dos outsiders, dos que vivem à margem do sistema. Destituídos de princípios morais, de qualquer noção de ética, os personagens não hesitam em enveredar pela trilha da criminalidade para alcançar seus objetivos.
Diante da urgência em acertar uma dívida com traficantes, Chris decide contratar um matador, Joe, para assassinar a própria mãe com o intuito de receber o dinheiro do seguro. Além de Chris, o pai, Ansel, a madrasta, Sharla, e a irmã, Dottie, integram o núcleo de fracassados, todos comprometidos com a perpetuação de relações corrompidas. Letts descortina um contundente panorama da ruína sem propriamente oferecer ao espectador chaves de leitura diferenciadas.
Determinadas inverossimilhanças afetam, em certo grau, o resultado da montagem assinada por Bortolotto, em cartaz no Teatro Poeira. O cenário de Mariko e Seiji reproduz, por meio de realismo minucioso, um ambiente modesto, mas sugere dimensões maiores que as de um trailer, espaço onde, de acordo com informação do texto, os personagens (com exceção de Joe) moram. Em dado momento, Dottie prepara um jantar sem saber que será apenas para ela e Joe – ainda assim, a restrita porção de comida que coloca sobre a mesa não corresponde a de uma refeição inicialmente destinada aos demais.
O diretor acentua a crueza do material original, a tensão crescente no embate entre os personagens, medida que tende a sensibilizar o público. Os trabalhos dos atores (Aline Abovsky, Ana Hartmann, Carcarah, Fernão Lacerda, Gabriel Pinheiro), sintonizados com o mundo selvagem dos personagens, contribuem para esse efeito, apesar de eventuais concessões a maneirismos e composições algo artificiais (mais presentes em Carcarah). Há, porém, um padrão de correção nos vários elementos que constituem a encenação, a exemplo dos figurinos de Letícia Madeira, precisos no que diz respeito ao contexto social e ao perfil de cada personagem.