Contundente cartão de visitas
Angela Câmara e Carolina Ferman em A Serpente, de volta no Teatro Glauce Rocha (Foto: Dalton Valério)
Anos depois da encenação de Bonitinha mas Ordinária, apresentada na Casa da Matriz, Ivan Sugahara retoma a dramaturgia de Nelson Rodrigues através da montagem de A Serpente, que reestreou no Teatro Glauce Rocha. Voltado para a realização de espetáculos em espaços não convencionais, uma das diretrizes da Cia. Os Dezequilibrados, o diretor faz com que a plateia emoldure a cena, que transcorre num formato de palco-passarela. Sugahara investe na aproximação entre a cena e o espectador, que visita a posição de voyeur.
A conexão com o cinema, outra característica do grupo, também é destacada no espetáculo. Ivan Sugahara promove uma simbiose entre o espaço do café e os quartos dos casais – as irmãs Guida e Ligia e os respectivos maridos, Paulo e Décio – e valoriza diferentes perspectivas do mesmo acontecimento, como se a câmera registrasse o fato de um ângulo e depois do outro. Esta proposta é explicitada na passagem em que Lígia e Paulo mantêm relação sexual a pedido de Guida que, porém, se debate no quarto ao lado. Logo após, a passagem é revisitada sob o ponto de vista de Guida.
Ivan Sugahara trabalha a partir da concisão dessa última peça de Nelson Rodrigues, composta por uma sucessão de embates, especialmente entre as irmãs. Tal como o texto, a montagem coloca o público diante de uma sequência de ápices dramáticos dotados, porém, de gradações evidenciadas, aqui, por meio da iluminação de Renato Machado. A cenografia de Desirée Bastos é composta por um tapete de grama que, apesar de artificial, evoca um momento específico do texto, quando os personagens se referem ao meio externo contrastando, dessa forma, com a claustrofobia do ambiente fechado do apartamento. Os figurinos, também de Desirée Bastos, conjugam a passionalidade do vermelho com a neutralidade do tom pastel.
O diretor conduz os atores rumo a atuações sanguíneas, nas quais sobressai (talvez excessivamente) o modo enérgico com que o texto é dito. Este direcionamento, porém, não uniformiza as atuações. Carolina Ferman realça a contundência do texto sem perder de vista a vulnerabilidade de Lígia. Ângela Câmara potencializa a desestabilização de Guida sem enveredar por um registro melodramático. José Karini entrelaça com habilidade a satisfação clandestina e o jogo de aparências de Paulo. Saulo Rodrigues, com oportunidade um pouco menor, traça um perfil claro do conflituoso Décio.
O caráter concentrado da dramaturgia parece ter estimulado Ivan Sugahara a resgatar, nessa montagem, os principais elementos que vêm norteando seu grupo ao longo dos anos. Nesse sentido, A Serpente desponta como um cartão de visitas dos Dezequilibrados.
Texto publicado no Jornal do Commercio.