Conhecidos recursos de um espetáculo comunicativo
A Golondrina, texto do dramaturgo espanhol Guillem Clua, tende a estabelecer com o leitor/espectador uma conexão direta, seja pela importância dos conteúdos que aborda – o ato extremado oriundo da intolerância diante da diferença (aqui, a homofobia), a falta de comunicação entre pessoas próximas –, seja pela condução sentimental do elo entre os dois personagens – Amélia, uma professora de canto de comportamento rígido, quase inflexível, e Ramón, rapaz que sobreviveu a um massacre num bar gay e não mede esforços para interagir com ela.
A montagem de Gabriel Fontes Paiva, atualmente em cartaz no Sesc Ginástico, evidencia as características da peça, que concentra, na esfera intimista travada entre os personagens, as questões suscitadas a partir do ataque terrorista homofóbico ocorrido no Bar Pulse, em Orlando, em 2016. A habilidade da encenação no estímulo ao envolvimento de uma quantidade considerável de espectadores é louvável numa época em que o teatro se distancia cada vez mais de uma projeção de maior alcance. Mas os expedientes dramatúrgicos empregados por Clua nem sempre resultam eficientes, a julgar pela previsibilidade da revelação principal – a verdadeira motivação de Ramón diante de Amélia pode ser adivinhada bem antes do instante em que vem à tona. O embate passional deflagrado a partir desse momento, apesar de sustentado pelos atores, aproxima a peça do derramamento emocional.
Gabriel Fontes Paiva valoriza o texto. Não assina uma direção impositiva em relação ao material original. Investe na contracena entre Tania Bondezan (também responsável pela tradução da peça), que transita com fluência pelos condensados estados de Amélia, evitando que as mudanças da personagem soem abruptas ou inverossímeis, e Luciano Andrey, que externa com ardor a inconformidade de Ramón e descreve com clareza os acontecimentos no plano do passado. O diretor se vale da iluminação (de sua autoria e de André Prado) e da música (de Luisa Maita, intensa desde a entrada do público no teatro) para a realização de rápidos deslocamentos da situação central, produzindo um contraste imaginário entre a simplicidade da sala do apartamento de Amélia (cenografia de Fabio Namatame) e a evocação do agito do bar. No cenário ainda aparece sugerida, na área de fundo do palco, outro ambiente, mas encoberto, em boa parte, pelo piano.
Em A Golondrina, Guillen Clua não economiza em conhecidos procedimentos dramatúrgicos (revelações, reviravoltas, rompantes dramáticos) com o intuito de seduzir o espectador. Seja como for, o espetáculo ocupa um lugar de certa relevância no contexto teatral do Rio de Janeiro.
Nelson Rodrigues de Souza
9 de fevereiro de 2020 @ 00:10
Atenção Spoilers: Saber que Ramón foi companheiro do gay de 32 anos que morreu, realmente não é difícil de prever. Mas quando a mãe do falecido questiona o porquê dele ter vindo vê-la, pois poderia telefonar, por exemplo, aí vem uma reviravolta que é imprevisível: existe uma carta que o filho escreveu para a mãe, horas antes de morrer no atentado à boate, depois de ter se encontrado com ela e Ramón quer entregar esta carta e a rigor, saber também de fato o conteúdo dela. A carta e seu tom conciliatório, sem pieguices, é de capital importância na peça. Se houvesse nela rancor em relação à mãe, os dois em cena não passariam a sentir empatia um pelo outro. Não haveria como fugir de um desfecho amargo. o que de forma alguma acontece.
Assim não concordo que haja previsibilidade da revelação principal.
danielschenker
10 de fevereiro de 2020 @ 19:56
Caro Nelson Rodrigues de Souza. Muito obrigado pelo comentário. Quando mencionei a previsibilidade da revelação principal, me referi especificamente à natureza da relação do rapaz com o filho da professora, algo que, a meu ver, o espectador tende a perceber bem antes do momento da revelação na peça. Concordo que as outras descobertas são menos previsíveis que essa, mas a sucessão de novas revelações, na minha opinião,. aproxima o texto de uma certa tradição melodramática algo desgastada.