Concessões para seduzir o espectador
Texto de Dario Fo, Morte Acidental de um Anarquista já foi apresentado no Teatro dos Quatro em 1980 numa montagem assinada por Helder Costa, influenciada pela encenação do diretor com o grupo A Barraca (intitulada Preto no Branco). Pouco tempo depois, a peça de Fo rendeu outro espetáculo, a cargo de Antonio Abujamra, da Companhia Estável de Repertório. Agora chega de São Paulo uma nova versão, sob a condução de Hugo Coelho.
Dario Fo escreveu Morte Acidental de um Anarquista em 1970, inspirado, em especial, num fato do ano anterior: uma série de atentados, a começar pela explosão de uma bomba num banco de Milão, matando 16 pessoas e ferindo 88. Um anarquista é acusado, preso e morre ao cair misteriosamente do prédio da delegacia. A partir daí, ocorre uma mobilização em prol do esclarecimento do caso. Fo concebeu o personagem fictício de um louco – que se faz passar por juiz, militar e padre –, determinante no desvendamento da morte do anarquista. A figura do louco desponta como uma homenagem ao teatro e, em particular, ao ator, profissional que, ao longo da carreira ou até dentro de um único espetáculo, se metamorfoseia em múltiplos personagens.
A montagem de Hugo Coelho adota a quebra da quarta parede com o intuito de estabelecer uma relação direta com o público. Antes do início da ação propriamente dita, os atores, ainda despidos de seus personagens, falam sobre o autor, o texto e a gênese da encenação. Contudo, o alcance popular da dramaturgia de Fo não é valorizado no decorrer da sessão, na medida em que os atores, deixados excessivamente soltos pela direção, buscam boa parte do humor fora do texto, investindo em concessões para extrair reação imediata da plateia. Se por um lado o destaque a conexões entre a peça e a realidade brasileira – principalmente no que diz respeito ao panorama de corrupção política – se revela oportuno, por outro a evocação de músicas (a exemplo da emblemática Pra não Dizer que não Falei de Flores), a constante menção a um espectador específico a quem as graças são destinadas e a brincadeira com a semelhança física entre Dan Stulbach e Tom Hanks se impõem como recursos um tanto desgastados.
Os atores demonstram adesão a um registro interpretativo histriônico, expansivo. Essa linha impera nos trabalhos de Dan Stulbach, Henrique Stroeter e nas intervenções do músico Rodrigo Geribello, responsável pela sonoplastia. Riba Carlovich e Marcelo Castro se mostram um pouco menos exaltados. Maíra Chasseraux tem presença mais discreta, apesar de também mais linear. A inventividade se manifesta, em algum grau, na cenografia de Marco Lima, que sugere atmosfera realista, ao mesmo tempo em que a tensiona, e nos figurinos de Fause Haten, propositivos de contrastante combinação de cores que transcende a mera caracterização dos personagens. Mas as criações não são suficientes para suavizar a aposta em procedimentos postiços, destituídos de frescor, empregados durante o espetáculo para seduzir o espectador.