Concentrado de Beckett
Stephane Brodt e Gustavo Damasceno em Jogo de Damas (Foto: Daniel Barboza)
Apesar da assumida inspiração em Fim de Jogo, Jogo de Damas, espetáculo da Companhia Amok em cartaz no Mezanino do Sesc Copacabana até o próximo domingo, remete a outras obras do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, incluindo suas peças curtas, por meio de características evidenciadas no texto assinado por Stephane Brodt: a estrutura de repetição, dado determinante no elo masoquista estabelecido pelas personagens; as limitações físicas, materializadas na paralisia do corpo, na dificuldade para se locomover e enxergar; a sombra permanente da morte; e a presença de objetos referenciais, como o gravador, que faz evocar A Última Gravação de Krapp.
O texto também conserva certa força de contrários própria da obra de Beckett. Há um desejo de superar os impedimentos corporais e dar vazão a uma movimentação, ainda que reduzida, para ver o sol. Cabe destacar, inclusive, a cena em que as personagens andam, mas sem saírem do lugar, o que dota a situação de oportuna ambiguidade. Além disso, a estagnação, que parece estar na base do vínculo entre as personagens, é relativizada, em algum grau, por uma ameaça de mudança ao final. A Cia. Amok volta a operar sobre dramaturgia clássica, mas, diferentemente de Macbeth, de William Shakespeare, há aqui a intenção de criar um texto novo, independente, proposta louvável, mesmo que o resultado não adquira voo autônomo a partir de Beckett.
Marca da Cia. Amok, o refinamento da concepção cênica se encontra estampado nas escolhas que atravessam essa montagem intimista, a julgar pela ótima iluminação, ora intensa, ora melancólica, que delimita uma espacialidade, a cargo de Renato Machado, pela cenografia cirúrgica, asséptica, de Brodt e pelo emprego sutil, mas constante, da música de Arvo Pärt, valendo realçar o ruído de tensão que impera ao longo da encenação. Stephane Brodt e Gustavo Damasceno interpretam as personagens da peça, sem, contudo, ocultarem suas identidades masculinas. Brodt adota postura curvada, frisa o problema de locomoção, em composição física detalhada que sobressai em relação à voz. Damasceno imprime máscara facial magnetizante, em especial no que diz respeito à expressividade do olhar.
Eventuais restrições à parte, Stephane Brodt, responsável pela direção, e Ana Teixeira, pela supervisão, confirmam, em Jogo de Damas, o valor artesanal do teatro que vêm praticando na Cia. Amok.