Cleyde Yáconis: contagiante paixão pela profissão
Só vi Cleyde Yáconis – que morreu nesta segunda-feira, aos 89 anos, em São Paulo – em cena tardiamente. Foi no início da década de 90, na montagem de O Baile de Máscaras, de Mauro Rasi, no Teatro dos 4, que marcou seu retorno aos palcos do Rio de Janeiro. Um trabalho singular na sua carreira, não apenas pela brilhante atuação como a aristocrata Uberta Molfetta como pelo esforço que fez para criar a personagem em tempo recorde. Molfetta foi inspirada em Mimina Roveda – uma das sócias do Teatro dos 4, que, juntamente com Sergio Britto e Paulo Mamede, investiu, entre 1978 e 1993, em espetáculos refinados a partir de textos importantes ou pouco difundidos no Brasil. Em entrevistas, Sergio Britto relatou a emoção de Mimina de se ver espelhada na interpretação de Cleyde logo no primeiro ensaio – também o primeiro momento em que ambas travaram contato. O texto de Rasi evocava um universo distante do da atriz, que adorava a vida recolhida em Jordanésia (SP): o das efervescentes reuniões realizadas na casa de Sergio Britto, no Leblon, quando um grupo de amigos mergulhava numa maratona de filmes e óperas durante os dias de carnaval.
Depois, Cleyde Yáconis surgiu num monólogo, A Filha de Lúcifer, montagem de Miguel Falabella para o texto de William Luce centrado na escritora Karen Blixen, conhecida pelo pseudônimo de Isak Dinesen, que viveu no Quênia e em Nairobi. A parceria com Ulysses Cruz rendeu espetáculos de grande porte – a polêmica versão paulistana de A Cerimônia do Adeus, de Mauro Rasi (projeto anterior a O Baile de Máscaras), e Péricles – Príncipe de Tiro, de William Shakespeare. Voltou a fazer uma personagem forte na encenação de Naum Alves de Souza para Longa Jornada de um Dia Noite Adentro, de Eugene O’Neill, como Mary Tyrone, a matriarca viciada em morfina, lancinante ao encerrar o primeiro ato (na peça, o segundo), sozinha no palco, sem a companhia do marido e dos filhos, dizendo para si mesma: “Você está aliviada porque foram embora. Mas, então… oh! Minha Mãe do Céu, por que me sinto tão desesperadamente só?!”.
Nos anos seguintes, Cleyde, paulista de Pirassununga, esteve em encenações que não vieram ao Rio – casos de Cinema Éden, de Marguerite Duras, e A Louca de Chaillot, de Jean Giroudoux. Felizmente, reapareceu na cidade com O Caminho para Meca, montagem de Yara de Novaes para o texto de Athol Fugard sobre Helen Elizabeth Martins, sul-africana que encontrou sua libertação através da escultura. Impressionava em Cleyde a construção da escuta, a existência do texto no não-dito, a contundência de sua presença em cena mesmo quando não portava a palavra.
É claro que a trajetória de Cleyde Yáconis não se resume aos espetáculos mais recentes. Cleyde ingressou na carreira por acaso ao substituir às pressas Nydia Lícia nas apresentações de O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, encenação de Luciano Salce, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Seu plano inicial era cursar medicina. Participou da montagem de Ziembinski para Pega-Fogo, de Jules Renard, mais pelo desejo de ajudar a irmã, a emblemática Cacilda Becker, com o salário que ganharia pelo trabalho do que pela vontade de se tornar atriz. Mas Cleyde abraçou com paixão a profissão já nos anos 50, dentro do TBC. Dois marcos de sua carreira, nessa década, foram Assim é… (se lhe Parece), montagem de Adolfo Celi para o texto de Luigi Pirandello, e Maria Stuart, versão de Ziembinski para a peça de Schiller. Na primeira, compôs com requinte de minúcias, ainda bastante jovem, a Senhora Frola, valendo-se de lembranças da avó; na segunda, teve a oportunidade de duelar com Cacilda – as irmãs interpretaram as rivais Maria Stuart e Elizabeth.
Especialmente ligada a Franco Zampari, industrial italiano que capitaneou a empreitada do TBC, e a Ziembinski, responsável pelo seu início na profissão, seguiu atuando no Teatro Cacilda Becker (TCB), uma das companhias dissidentes do TBC, para onde retornou. Nos anos 60, destacou-se em Yerma, de Federico Garcia Lorca, sob a condução de Antunes Filho, e em Toda Nudez será Castigada, de Nelson Rodrigues, direção de Ziembinski. No apagar das luzes da década, sofreu um enorme baque: a perda de Cacilda Becker, que morreu precocemente após um coma de mais de um mês decorrente de um aneurisma cerebral no intervalo de uma das sessões de Esperando Godot, de Samuel Beckett. Até o final da vida, Cleyde ressaltou o vínculo inquebrantável com a mãe, Alzira, e as irmãs, Cacilda e Dirce.