Cena de estrutura cristalizada
Maitê Proença acumula as funções de autora, diretora (com Clarice Niskier) e atriz. (Foto: Paula Kossatz)
Maitê Proença retoma a atividade de autora teatral depois das experiências com os esquetes de Achadas e Perdidas (que trazia um texto de apreciável densidade, Unhas do Inconsciente) e de sua bem-sucedida peça As Meninas. Em À Beira do Abismo me Cresceram Asas, concentra o foco no convívio entre duas idosas, Terezinha e Valdina, que, em meio ao cotidiano solitário num asilo, abordam o descompasso entre os sonhos cultivados e a realidade.
Escorada em pesquisa de Fernando Duarte, a autora se debruça sobre as duas personagens sem propriamente investir no desenvolvimento de uma situação central. Abre mão de estabelecer uma história com progressão convencional, ainda que lance eventuais revelações ao longo da peça. Se por um lado Maitê Proença rompe com uma evolução tradicional de enredo, por outro a estrutura do texto parece um pouco solta – destinada apenas a fornecer um desenho, que acaba não se mostrando tão abrangente, das personagens.
A circunstância proposta – as idosas relatam suas trajetórias numa entrevista a um jornalista, cuja imagem invisível é “materializada” na plateia – soa artificial e cristaliza a cena numa disposição frontal. A autora busca a adesão do público, pelo menos no começo do espetáculo, por meio de piadas sexuais desgastadas. As personagens realçam, em medidas diversas, a capacidade de não perder a alegria frente às adversidades, o que pode ser visto como uma demonstração de sensibilidade de Maitê Proença. Em se tratando de Valdina, contudo, a preservação da vitalidade diante de tantas tragédias familiares resulta inverossímil. E o desfecho escolhido para Terezinha é previsível.
A fragilidade do texto – que dificulta, em parte, a sua transposição para o palco (a cargo da própria Maitê Proença e de Clarice Niskier, com supervisão de Amir Haddad) –, flagrante nos momentos de interação entre as personagens, se torna menos imperante nos solilóquios de Terezinha e Valdina, instantes em que a autora consegue encorpar mais a dramaturgia. Em todo caso, as atrizes não contam com material muito consistente, o que restringe, até certo ponto, suas atuações. Maitê Proença faz uso de um registro vocal infantilizado, mas constrói Terezinha com alguma sutileza. Clarisse Derzié Luz se vale de sua habilidade no manejo do tempo de humor para compor Valdina.
O cenário de Cristina Novaes – com dois espelhos adornados ao fundo (que remetem a camarins, impressão reforçada pela presença das atrizes em cena antes do início do espetáculo e pelo assumido trânsito de contrarregras) e grandes telas confinando as personagens numa área delimitada do palco – e os figurinos de colorido esfuziante de Beth Filipecki evidenciam desejo de alcançar a dimensão do sonho e do encantamento e de caminhar em sentido oposto ao da reconstituição realista. O objetivo, porém, não chega a ser atingido.