Cena austera que desafia o espectador
Paula Spinelli, Nathalia Timberg e Juliana Galdino em Tríptico Samuel Beckett (Foto: Daniel Seabra)
No Rio de Janeiro, Roberto Alvim se notabilizou como importante incentivador da nova dramaturgia brasileira. A mudança para São Paulo, onde fundou sua companhia, a Club Noir, fez com que seu trabalho ganhasse inegável densidade. Alvim seguiu destacando autores pouco difundidos no Brasil e passou a se apropriar de textos em encenações marcadas por assinatura vigorosa. O diretor vem investindo em montagens sintéticas (não costumam durar mais de uma hora), como se procurasse extrair o sumo das obras escolhidas ao invés de apresentá-las em suas integridades. As refinadas articulações realizadas a partir dos textos e a reduzida, mas precisa, iluminação são elementos que evidenciam uma proposta teatral que exige disponibilidade do espectador, confrontado com um ritmo consideravelmente menos acelerado que o vapt-vupt contemporâneo.
Não é diferente com Tríptico Samuel Beckett (composto por Para o Pior Avante, Companhia e Mal Visto Mal Dito, textos do autor irlandês), espetáculo austero, hierático, em cartaz no Mezanino do Espaço Sesc, que coloca o público diante do assombro da solidão e da morte, da impossibilidade de reter a passagem do tempo. A sensação exasperante é potencializada pela concepção da cena, impactante e destituída de ornamentos, a julgar pela imagem impositiva do grande esqueleto na cenografia de Roberto Alvim, pela iluminação repleta de gradações sutis, também a cargo de Alvim, pelos figurinos de Juliana Galdino, que sugerem neutralidade (as cores priorizadas) e provocam estranhamento, e pela trilha sonora de L.P. Daniel, rascante e melodiosa.
Entretanto, Roberto Alvim concentra muito da força de seus espetáculos nos trabalhos dos atores. Em Tríptico Samuel Beckett, as atuações resultam de minuciosa orquestração por parte da direção. Juliana Galdino emula emoções frisando que não constrói a personagem à base de emoção. Comprova a extensão de seus recursos deixando a técnica vocal à mostra, opção que se impõe como uma espécie de barreira entre o espectador e o texto fragmentado. Ainda assim, a humanidade transparece, em diversos instantes. Paula Spinelli sustenta expressão de permanente perplexidade e acentua o desenho infantil por meio da voz. Nathalia Timberg imprime tom propositadamente monocórdico, quebrado, em certa medida, por intensidade algo dramática que talvez aproxime seu trabalho de códigos de interpretação mais reconhecíveis. Contudo, a atriz faz com que o texto reverbere no espectador, bem mais que nos momentos anteriores da encenação.
Esta distinção decorre da intimidade de Nathalia Timberg, profissional de sólida formação artística, com o texto, de seu apreço pela palavra. E é gratificante ver a atriz, que nos últimos anos oscilou entre um repertório consistente – exercitado com o diretor Eduardo Tolentino de Araujo (A Importância de ser Fiel, Melanie Klein) – e peças mais comerciais (Letti e Lotte, Conduzindo Miss Daisy), assumindo riscos, tal como fez ao longo de sua carreira através de projetos (o Circo do Povo) e espetáculos avulsos (a exemplo de A Balada de Zerline, de Hermann Broch).