Broadway sem sabor importado
Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello em Crazy for You (Foto: Caio Gallucci)
“Um musical da Broadway”. A frase estampada na capa do luxuoso programa de Crazy for You resume a vertente na qual se inscreve esse espetáculo dirigido por José Possi Neto. De fato, a intenção de apresentar ao público um trabalho que exibe know how, tanto no que se refere ao padrão de produção quanto às habilidades técnicas dos atores, fica evidente. Contudo, a montagem, que passa esta semana do Teatro Bradesco para o Vivo Rio, não tem sabor importado, como ocasionalmente ocorre com musicais estrangeiros que desembarcam em palcos brasileiros munidos de exigências contratuais que impedem – ou, pelo menos, limitam – uma apropriação nacional. A sensação de certa familiaridade decorre, em especial, do investimento numa versão brasileira (a cargo de Miguel Falabella) para as músicas de George e Ira Gershwin, da conhecida e expansiva personalidade interpretativa da atriz Claudia Raia e da provável sintonia artística entre integrantes da equipe que trabalharam juntos antes no musical Cabaret.
O enredo de Crazy for You repousa sobre um jogo de contrastes: Bobby Child anseia virar dançarino, mas, com dificuldade para alavancar a carreira em Nova York, vê-se cada vez mais pressionado para assumir um futuro que não deseja cuidando dos negócios da família e firmando vínculo com a mimada Irene. Enviado para o interior do estado do Nevada com o intuito de cobrar uma dívida referente a um teatro local, ele se apaixona pela extrovertida Polly. Ambos, então, somam esforços para salvar o teatro da ruína. No entanto, até que o objetivo seja alcançado, os personagens se envolvem em diversas peripécias. Homenagem ao teatro, Crazy for You opõe a atmosfera cosmopolita de Nova York à paisagem do interior dos Estados Unidos que parece estacionada no tempo, os comedidos ou aristocráticos personagens da cidade grande aos autênticos e nada polidos da cidade pequena. O texto de Ken Ludwig não traz propriamente ingredientes novos, mas compensa a previsibilidade com fluência e simpatia. Pesa apenas a longa duração (quase três horas), característica de boa parte dos musicais suntuosos. As canções (direção musical de Marconi Araújo) mais sublinham os estados emocionais dos personagens do que ajudam a história avançar.
A montagem de Crazy for You faz jus ao esperado selo de qualidade de uma superprodução musical. A cenografia de Duda Arruk evoca, de maneira estilizada, a efervescência da Rua 42, de Nova York, por meio de fachada de teatro e de letreiros luminosos e a aridez do interior do Nevada através de espaços internos (do hotel e do teatro decadente) e externos, suspendendo, porém, as reconstituições dos ambientes nos instantes românticos. As coreografias (de Jeff Whiting/Angelique Ilo) injetam pulsação na cena, principalmente no que diz respeito ao número vibrante que encerra o primeiro ato, com bom aproveitamento do sapateado. Os figurinos de Fabio Namatame realçam as diferenças entre os moradores do interior e da cidade grande. No elenco, Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello interpretam os protagonistas: ela, que vem dedicando sua carreira teatral ao musical de grande porte, comprova intimidade com o gênero e apresenta uma atuação de pinceladas largas – sem espaço para sutilezas, ainda que eficiente e carismática –, enquanto ele demonstra domínio técnico e torna o atrapalhado e bem-intencionado Bobby um personagem empático. Entre os coadjuvantes sobressai, com bom timing, Liane Maya nos papéis de Lottie e Patricia Fodor.
A determinação em oferecer ao público brasileiro musicais com o padrão da Broadway, realizados com a finalidade de destacar conquistas técnicas, pode levar a resultados um tanto artificiais e despersonalizados. Felizmente, não é o que acontece com Crazy for You, mas cabe sempre prestar atenção para não incorrer nessa armadilha.