Bom material para atores
Bel Kowarick e Marcos Damigo em Dueto para Um, montagem de Mika Lins (Foto: Roberto Setton)
O dramaturgo Tom Kempinski reproduz a estrutura de um tratamento analítico em que a paciente, ao ser confrontado pelo psiquiatra com suas barreiras íntimas, se defende atacando o médico, projetando-o como seu algoz. Esta é a maior qualidade – a precisão na exposição do passo a passo do tratamento – e talvez, ao mesmo tempo, a maior limitação – o fato de não transcender muito a esfera da reconstituição do mecanismo de funcionamento desse processo – de Dueto para Um.
Certos lances, como o momento em que o psiquiatra assume uma adesão mais passional frente à cliente, denunciam a previsibilidade da peça, que, a partir da impossibilidade de uma musicista de continuar exercendo a sua profissão (pelo menos, da forma como vinha fazendo) devido às restrições físicas impostas pela esclerose múltipla, traz à tona questões comuns à humanidade, como o embate com a própria impotência e como se reinventar diante dessa constatação.
Mas Dueto para Um é um texto que fornece bom material para atores e, não por acaso, eles despontam como principais atrativos dessa encenação de Mika Lins, que encerra temporada hoje no Teatro do Jockey. Bel Kowarick dimensiona os estágios atravessados pela paciente por meio de interpretação minuciosa. Marcos Damigo adota uma contemplação interessada para o psiquiatra, evidenciando sensibilidade na construção da escuta. De modo propício, a diretora Mika Lins concentra o foco nos atores e se distancia de uma perspectiva realista tradicional através de procedimentos não desenvolvidos, a exemplo do instante propositadamente não ocultado diante do público em que a paciente/atriz se levanta do chão e senta na cadeira de rodas.
As criações técnicas que integram o espetáculo revelam sintonia com a proposta da direção, ainda que nem sempre com resultados satisfatórios. A cenografia de Cassio Brasil representa um acerto em termos de simplicidade, apesar do movimento giratório da superfície não se mostrar determinante à leitura da cena/peça. Os figurinos de Mika Lins são equivocados na opção do afastamento da situação estabelecida (o contexto do consultório) ao vestir os personagens como concertistas, em trajes de gala. A iluminação de Caetano Vilela é bastante expressiva no aproveitamento da penumbra. Dueto para Um é uma montagem que presta boa contribuição ao teatro do Rio de Janeiro.