Bibi Ferreira, dona de uma carreira única
Bibi Ferreira e Roberto Bonfim em Gota D’Água, montagem de Gianni Ratto apresentada em 1975 (Foto: Reprodução do programa)
Bibi Ferreira foi uma atriz singular. Desenvolveu uma carreira ímpar. Ao longo do tempo, Bibi – que morreu, aos 96 anos, na última quarta-feira – afastou-se da televisão e, especialmente, do cinema, para concentrar seus esforços no teatro, campo onde firmou uma trajetória distinta da de todas as suas colegas de profissão.
Protagonizou musicais emblemáticos, como Alô, Dolly, de Jerry Herman e Michael Steawrt, e O Homem de la Mancha, de Dale Wasserman, numa época em que o palco brasileiro não dominava a engenharia de produção própria do gênero e os atores ainda não haviam adquirido o aprimoramento técnico conquistado com o passar dos anos.
A partir da década de 1990, distanciou-se do teatro de texto e se voltou para espetáculos que realçaram a sua qualidade de intérprete de canções de artistas renomados como Edith Piaf – revisitando a célebre cantora após a lendária encenação (Piaf – A Vida de uma Estrela da Canção) em que a interpretou, nos anos 1980 –, Frank Sinatra e Amália Rodrigues e a sua habilidade em produzir versões bem-humoradas de letras famosas na sequência de trabalhos intitulada Bibi in Concert.
Reconectou-se com o texto por meio da comédia de costumes de Juca de Oliveira, Às Favas com os Escrúpulos, na qual evidenciou a permanência de irretocável timing. Mesmo que a música tenha imperado entre as suas opções artísticas nas últimas décadas, Bibi Ferreira comprovou o domínio da palavra em diversas montagens, valendo destacar a notável versão de Gianni Ratto para Gota D’Água, recriação da tragédia de Eurípedes a cargo de Chico Buarque e Paulo Pontes – então, marido de Bibi.
Reuniu, nas suas interpretações, o passado e o presente da história do teatro brasileiro. Aprendeu, na prática, com o pai, Procópio Ferreira, um dos principais primeiros atores da metade inicial do século XX, ingressando na companhia dele, sendo lançada na encenação de O Inimigo das Mulheres (La Locandiera, de Carlo Goldoni). Procópio teve, claro, grande influência sobre Bibi, mas não era o único artista da família. A madrinha de Bibi, Abigail Maia, foi a responsável por fazê-la entrar em cena pela primeira vez, aos 24 dias de nascida, na montagem de Manhãs de Sol, de Oduvaldo Vianna. Ao lado da mãe, Aída Izquierdo, subiu ao palco, aos três anos, em espetáculo da companhia espanhola Velasco, de Teatro de Revista.
Num momento de renovação da cena nacional, impulsionada pelos grupos amadores em movimento que culminou na fundação do Teatro Brasileiro de Comédia e do Teatro Popular de Arte, a atriz, com pouco mais de 20 anos, inaugurou a Companhia de Comédias Bibi Ferreira. Preocupou-se em estabelecer sintonia com o novo que despontava, no que se refere ao registro interpretativo e ao advento do encenador, função que também passou a exercer na Companhia Dramática Nacional e durante seu percurso de artista. A atividade constante como diretora se mostrou normalmente filiada ao teatro de mercado e uma de suas conduções mais bem-sucedidas nessa área foi Meno Male, de Juca de Oliveira. Mas assinou pelo menos um trabalho de exceção, sem música: Criador e Criatura – O Encontro de Machado com Capitú, de Flávio Aguiar e Ariclê Perez.
Sua extensa jornada rendeu o espetáculo Bibi – Uma Vida em Musical – texto de Artur Xexéo e Luanna Guimarães, com direção de Tadeu Aguiar, no qual Bibi foi encarnada, de maneira minuciosa, por Amanda Acosta –, uma homenagem da escola de samba Unidos do Viradouro, que escolheu-a como tema, e uma justa menção honrosa de Fernanda Montenegro na última cerimônia do Prêmio Cesgranrio.