Bem-sucedida construção de atmosfera
Lucas Gouvêa e Carolina Ferman em As Horas entre Nós (Foto: Paula Kossatz)
Joelson Gusson transporta o romance Mrs Dalloway, de Virginia Woolf, para o contexto do Brasil da ditadura em estrutura dramatúrgica (concebida em parceria com Diego de Angeli) que entrelaça planos temporais diversos. Os personagens de As Horas entre Nós frisam o contraponto entre o imaginado e o real, entre o que queriam ser ou gostariam que tivesse acontecido e o que se tornaram ou efetivamente aconteceu. O dilema não é original: pode ser encontrado com frequência em várias obras. A principal qualidade da dramaturgia, porém, parece estar na habilidade em não enveredar por uma abordagem maniqueísta dos conflitos. Em determinado momento, uma oposição esquemática entre o escritor engajado e o militar se insinua, mas não ocorre devido, especialmente, à criação nuançada do segundo.
Essa nova montagem da Cia. Dragão Voador se impõe pelo apreciável capricho na composição da cena. O cuidado com o emprego da cor atravessa o cenário, do próprio Joelson Gusson, e os figurinos, de Joana Lima Silva. A cenografia preenche o centro do palco do Espaço Cultural Sergio Porto, mas a ação não fica circunscrita a essa delimitação espacial: vozes vindas da coxia realçam um prolongamento para além do campo de visão do espectador. Há uma notada preocupação em construir uma atmosfera, objetivo também alcançado por meio da trilha sonora, com músicas emblemáticas, de Vicente Coelho e do Dragão Voador, e da iluminação de Paulo César Medeiros. Os atores revelam sintonia num registro que não busca o efeito ou a contundência. Ao contrário, são interpretações em tom menor, adequadamente discretas. Carolina Ferman, Cristina Flores, Cris Larin, Joelson Gusson, Leonardo Corajo e Lucas Gouvêa evidenciam entrosamento, ainda que se possa destacar as presenças de Flores e Corajo.