Balé com expressiva teatralidade
Lanternas Vermelhas: criação do Balé Nacional da China (Foto: Renato Mangolin)
Zhang Yimou foi um dos mais importantes representantes do boom do cinema chinês no Brasil da década de 1990 ao deslumbrar as retinas dos espectadores com Amor e Sedução (1990) e Lanternas Vermelhas (1991), filmes de notável rigor artístico, fase efervescente que contou com o lançamento de mais produções do diretor, como O Sorgo Vermelho (1987) e A História de Qiu Ju (1992). Outros cineastas logo chamaram atenção no circuito, como Chen Kaige e Tian Zhuangzhuang. Yimou ganhou fôlego internacional e passou a se dedicar a projetos cada vez mais ocidentalizados, norteados por certa grandiosidade, em especial a partir do início dos anos 2000, a julgar por filmes como O Clã das Adagas Voadoras (2004).
O público brasileiro acaba de conferir (em quatro apresentações realizadas na semana passada, no Teatro Municipal) a criação do Balé Nacional da China para Lanternas Vermelhas. O espectador que assistiu ao filme de Yimou detectou alterações significativas na história, mas tanto a versão para o cinema quanto o balé tiveram como base o conto Esposas e Concubinas, de Su Tong. Diferentemente da adaptação cinematográfica – que destaca as relações repletas de artimanhas e manipulações entre as esposas de um senhor feudal, a partir da chegada da quarta delas –, o balé mostra a conexão entre três esposas e o vínculo clandestino entre a protagonista e um amante. Em todo caso, permanece o registro da situação de opressão das mulheres na primeira metade do século XX.
As lanternas vermelhas do título, acesas sempre que o senhor feudal decide passar a noite com uma das esposas, garantem a plasticidade do espetáculo, devidamente valorizadas pela iluminação do próprio Yimou, que também inunda o palco do Municipal de azul. Mas o balé não se limita ao virtuosismo estético. Há momentos cênicos particularmente expressivos, como a passagem em que a personagem tenta fugir do marido e ambos correm rasgando o papel de parede até terminar com ela dominada sob um lençol de sangue, elemento presente em outro instante, quando o vermelho estampa uma tela branca, síntese de uma violenta condenação.
Envolvido na concepção do balé, que estreou em 2001, Yimou lidou com o risco de ferir, pela proporção dessa criação, a natureza intimista de seu filme. Mas as coreografias, a cargo de Xin Peng Wang e Wang Yuanyuan, não primam pela espetaculosidade e as danças mais vibrantes despontam como números corais do elenco encarregado de fornecer o pano de fundo para a história. Já a interação entre os protagonistas segue adequado tom menor. Na transição de uma manifestação artística para outra há eventuais e inevitáveis perdas (como a marcante interpretação de Gong Li no cinema), mas é um prazer constatar as instigantes e bem-sucedidas possibilidades de transposição de uma mesma obra.