As transformações do mundo em perspectiva intimista
Débora Falabella, Yara de Novaes e Ary França em Love, Love, Love (Foto: Leekyung Kim)
O Grupo 3 de Teatro retoma a dramaturgia do britânico Mike Bartlett depois da bem-sucedida experiência de Contrações. Em Love, Love, Love – montagem de Eric Lenate que encerra temporada no próximo domingo, no Oi Futuro/Flamengo –, o autor frisa a conexão entre os personagens e seus momentos históricos. A ação é dividida em três épocas: 1967, na noite da primeira transmissão ao vivo de TV via satélite com os Beatles cantando All You Need is Love; início da década de 1990; e 2014. Como o mundo, os personagens, integrantes de uma mesma família, adquirem condutas menos libertárias com o correr dos anos, seja por abrirem mão de um modo de vida transgressor pela segurança financeira, seja por buscarem desde o princípio o enquadramento no sistema.
Na primeira parte, três jovens aparecem vivendo intensamente o instante; na segunda, dois deles ressurgem como pais de dois adolescentes e o quadro familiar disfuncional fica evidente, em especial devido à postura leviana e ácida da mãe, pouco preocupada com o estado emocional dos filhos; e na terceira, a situação dos filhos, já crescidos, se agravou e os pais viraram representantes de uma aristocracia agonizante. Esse último “ato” sugere uma interessante inversão de valores: a filha questiona a permissividade dos pais por não terem reprimido sua opção por uma carreira artística sem estabilidade, ao invés de direcioná-la para profissões mais sintonizadas com o pragmatismo do século XXI. Entre cada uma das partes há uma elipse e os personagens voltam transformados. Uma encenação de Love, Love, Love deve cumprir um importante desafio lançado pelo texto – o de tornar críveis essas transições, frequentemente abruptas. Esse objetivo é atingido, com exceção talvez da passagem da moça entrosada com o espírito hippie da primeira parte para a mãe consumista da segunda, por mais que o mundo tenha caminhado nesse sentido.
As mudanças decorrentes do curso do tempo são condensadas na cenografia de André Cortez, que resume variações comportamentais por meio das alterações realizadas num sofá e numa visualidade cada vez menos caótica e mais asséptica. Os figurinos de Fabio Namatame também resumem os perfis dos personagens através de trajes exuberantes, decadentes ou apagados. A trilha sonora de L.P. Daniel traz à tona as atmosferas dos períodos abordados, aproximando o contexto inglês do brasileiro. Eric Lenate extrai ótimos desempenhos do elenco (formado por Ary França, Débora Falabella, Mateus Monteiro, Rafael Primot e Yara de Novaes), com destaque para Novaes, que imprime modulações às falas ferinas da mãe e não incorre na armadilha do exagero, Falabella, que transita com fluência entre a composição da adolescente do segundo “módulo” (apreciável trabalho de voz) e o naturalismo da frustrada mulher do terceiro, outro estágio da mesma personagem, e Primot, que reafirma sua habilidade em construções acentuadas, mas dotadas de organicidade.