Apreciável aridez
Atores evidenciam os principais procedimentos da montagem (Foto: João Julio Mello)
Há uma destacada aridez na transposição para o palco dos textos de Will Eno que compõem Ah, a Humanidade! E outras Boas Intenções. A montagem dirigida por Murilo Hauser (também responsável pela tradução) não utiliza praticamente música, não dinamiza a frontalidade das marcações e não disfarça a estrutura monológica do material original (mesmo os diálogos parecem monólogos devido à reduzida interação entre os personagens), característica de outra obra de Eno, Thom Pain-Lady Grey.
A presença do público é assumida, ainda que por meio de uma instância ficcional. Os espectadores recebem papéis: são os jornalistas de uma coletiva ou parentes de passageiros mortos num desastre aéreo. Em todo caso, o olhar direto lançado em relação à plateia imprime uma sensação de atualidade, de elo com o instante imediato, próprio de uma manifestação como o teatro. Esta dimensão contrasta com as circunstâncias apresentadas nos textos, no que diz respeito a falas ditas diante de câmeras ou a registro fotográfico, na medida em que esses dois mecanismos remetem a imagens cristalizadas, atadas, nesse sentido, ao passado.
Os textos de Will Eno – encenados com frequência pela Sutil Cia. de Teatro (apesar de não ser um espetáculo do grupo, Ah, a Humanidade! reúne alguns de seus integrantes) – evocam o universo de determinados autores classificados como não-realistas, como Harold Pinter e Ionesco, a julgar pela dificuldade ou impossibilidade dos personagens de expressarem o que precisam através de palavras. A humanidade dos personagens não é obrigatoriamente evidenciada por meio do relato dos fatos concretos, mas, sobretudo, da exposição de suas subjetividades.
A cenografia de Valdy Lopes Jn. e Rafael Faustini sugere um espaço bombardeado. A proposta excessiva se opõe à austeridade e a economia da montagem. A iluminação de Beto Bruel oscila entre gradações sutis e o impacto do vermelho nas transições entre as cenas. Os atores realçam certos procedimentos da encenação. Claudio Mendes estabelece conexão fluente com o público. Guilherme Weber transita com habilidade entre os extremos de contenção e intensidade. Renata Hardy demonstra apreciável segurança em suas intervenções. Alice Borges revela boa máscara facial. Contudo, mostra-se um tanto armada, como se a atriz não se deixasse influenciar pelo momento da cena.