Acúmulo de vozes
A dramaturga Nina Raine coloca o público diante de uma família conflituosa, marcada por relações desgastadas ao longo do tempo, na qual ninguém verdadeiramente se escuta. O pai, Christopher, frisa seu autoritarismo, a mãe, Beth, apenas esboça reações, e dois dos três filhos, Daniel e Ruth, vivem em guerra, se sentem deslocados dentro de casa, mas não conseguem alçar voos independentes. Há um acúmulo de vozes em Tribos, tanto no que se refere aos embates ruidosos entre os personagens, frequentes no decorrer da peça, quanto aos sons internos, que se tornam cada vez mais impositivos para Daniel.
Protagonista, Billy, o outro irmão, é surdo e denuncia a falta de interesse imperante nos arruinados vínculos afetivos e, particularmente, no que diz respeito à sua realidade específica. A entrada da namorada, Sylvia, desestabiliza a estrutura rígida dos relacionamentos. O texto tem alguns problemas. As diversas discussões enfileiradas durante a peça mais reiteram do que sinalizam novas informações sobre o quadro familiar. E a autora nem sempre resolve as transições (o rompimento de Billy com a família e dele com Sylvia) de modo orgânico.
O diretor Ulysses Cruz, constante parceiro artístico de Antonio Fagundes, incorre em excessos nas marcações frontais e na utilização do telão, justificada na projeção de legendas, mas gratuita como acompanhamento em muitas cenas. O cenário de Lu Bueno traz mobiliário pouco expressivo, pertinente, porém, ao universo da família retratada. Os figurinos de Alexandre Hercovitch seguem a mesma linha, realçando diferença em relação à namorada, personagem que vem de fora e provoca instabilidade e, num certo sentido, renovação. A iluminação de Domingos Quintiliano oscila entre a luz aberta nas cenas de atrito familiar e mais fechada nas passagens em que os personagens ganham maior individualização.
As atuações são proporcionais às possibilidades oferecidas pelos personagens. Maíra Dvorek fica restrita pela limitada função de Ruth na história. Eliete Cigaarini desempenha corretamente, mas sem maiores chances interpretativas, Beth, a mãe submissa. Guilherme Magon potencializa a crescente perda de controle de Daniel. Antonio Fagundes demonstra a habitual eficiência como Christopher, figura também destituída de desenho mais complexo. Bruno Fagundes apresenta minuciosa composição vocal como Billy, personagem à beira do extravasamento. Contudo, o grande trabalho é de Arieta Corrêa, especialmente precisa no momento em que dimensiona o sofrimento da surdez após a experiência da escuta.