Acúmulo de conflitos
Rafael Morpanini e Otávio Augusto em A Tropa (Foto: Elisa Mendes)
Texto de Gustavo Pinheiro, A Tropa foi um dos vencedores do Projeto Seleção Brasil em Cena, voltado para a difusão da dramaturgia nacional contemporânea (também contemplados, Um Caminho para Sara e Princípios Transgredíveis para Amores Precários, ambos de Thales Paradela, ganharam montagens). Há fragilidades na peça de Pinheiro, o que não leva necessariamente a uma problematização dos critérios da escolha porque seria preciso ter acesso ao nível médio dos concorrentes. Além disso, o resultado decorre não só da decisão do júri como de leituras públicas dos textos.
A ação de A Tropa transcorre num quarto de hospital, onde quatro filhos visitam o pai internado. A ausência de nome para o pai talvez esteja ligada a um desejo do autor de colocá-lo como elemento simbólico e até absoluto, mas que rói diante dos filhos à medida que os mistérios por trás dos acontecimentos vão sendo desmascarados. Os filhos possuem nomes que remetem a um determinado período da história brasileira e tentam afirmar individualidades, ainda que reduzidas a características gerais – Humberto, o estagnado na vida, Artur, o yuppie arrivista, Ernesto, o descolado que se distanciou do convívio com os demais, e João Batista, o que mais carrega o peso dos segredos familiares.
A intenção do autor de abordar os vínculos masculinos é oportuna. O texto, porém, carece de especificidade em seu desenvolvimento. Conforme o esperado, os atritos entre pai e filhos vêm à tona. Ao longo da peça, o dramaturgo dá vazão a revelações previsíveis ou de teor melodramático. Por meio da figura do pai, Pinheiro estimula a associação com um dado atual – referente à reivindicação de uma parcela da sociedade pelo retorno dos militares –, mas a questão não desponta de modo muito orgânico no texto. E as passagens centradas em evocações do passado não enriquecem com informações significativas o panorama familiar.
Diretor da montagem que encerra temporada no próximo domingo no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Cesar Augusto tem seu trabalho limitado pelas deficiências da dramaturgia e investe nas interpretações dos atores, que permanecem em cena, mesmo quando parcialmente ocultados por telas transparentes dispostas nas laterais do espaço. Há uma exposição do teatral nas presenças dos atores e na retirada discreta de objetos de cena às vistas do público. Otávio Augusto aposta no humor sarcástico, debochado, ferino, do pai irascível que não hesita em desqualificar os filhos, em especial o primogênito. O ator evidencia timing e domina o palco, lidando com o desafio da movimentação restrita por causa da condição do próprio personagem. Alexandre Menezes, Daniel Marano, Eduardo Fernandes e Rafael Morpanini fazem os papéis dos filhos e procuram estabelecer contracena entrosada, valorizando a fala como reação à escuta – apenas o segundo acaba um pouco prejudicado pela incumbência de imprimir credibilidade à revelação final, a parte menos satisfatória do texto.
A cenografia de Bia Junqueira, melhor na concepção que na realização, reproduz a assepsia hospitalar e sugere certa opressão, potencializando o universo temático da peça. Os figurinos de Ticiana Passos sintetizam os traços primordiais de cada personagem. A iluminação de Adriana Ortiz contrasta os planos do passado e do presente de maneira esquemática. Apesar das restrições relativas ao terreno da dramaturgia, a montagem de A Tropa desperta o interesse do espectador.