A revelação do oculto
Yndara Barbosa em Dois Amores e um Bicho (Foto: Divulgação)
À frente da companhia Tentáculos Espetáculos, juntamente ao ator Daniel Archangelo, o diretor Guilherme Delgado vem investindo numa dramaturgia consistente e pouco difundida nos palcos do Rio de Janeiro. A peça Dois Amores e um Bicho – texto do venezuelano Gustavo Ott apresentado ao público por meio da montagem em cartaz até o próximo domingo no Galpão do Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico – surge como uma escolha coerente em relação à proposta do grupo.
A partir da visita de uma família ao jardim zoológico, o dramaturgo traz à tona determinadas “temas”: entre elas, o questionamento acerca da diferenciação normalmente atribuída ao tratamento perverso destinado a homens e animais, a fúria catártica como reação sinalizadora de características ocultadas e o confronto com a morte da imagem paterna e materna, até então algo idealizada. O autor demonstra habilidade na estruturação de tempos diversos, tanto no que diz respeito ao jogo de passado e presente na história da família quanto ao trânsito entre narração e vivência evidenciado pelos personagens.
Guilherme Delgado uniformiza, em certa medida, as questões abordadas no texto. Parece faltar colorido na transposição da peça para a cena, problema que decorre, em parte considerável, à dificuldade do elenco de se apropriar com organicidade do material original, limitação um pouco mais perceptível nos atores (Vitor Fraga e Luiz Paulo Barreto) do que nas atrizes (Ana Paula Novellino e Yndara Barbosa). Eventualmente, os atores se referem de forma direta aos espectadores, dispostos em arena, emoldurando o espaço, preenchido com algumas jaulas com bichos de pelúcia (cenografia de Carlos Augusto Campos). A inclusão de uma ou outra miniatura de animal com a interioridade do corpo exposta sugere a perspectiva da dissecação do humano, da revelação do oculto.