A problematização das oposições
Michel Melamed em Monólogo Público (Foto: Julia Rodrigues)
Durante parte da apresentação de Monólogo Público, encenação em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, o palco é dividido ao meio. De um lado, Melamed fala de frente para a plateia, com iluminação neutra. O registro interpretativo, ainda que contido, não chega a ser invisível devido à entonação característica que imprime às palavras, realçando o nonsense da (suposta) realidade que descortina diante do público. Do outro, Melamed sobe numa superfície, num palco sobre o palco, e assume atuação mais estilizada, marcada por movimentação física frenética (preparação corporal de Luciana Brites) e luz esfuziante. Há um contraste intencional entre os dois planos, que, porém, se embaralham ao longo do espetáculo, talvez com o intuito de problematizar as oposições, de “denunciar” o reducionismo dessa distinção.
Melamed evidencia que realidade e ficção não estão em polos contrários. Afinal, a realidade é ficcionalizada, na medida em que vivenciada a partir de uma apropriação particular, subjetiva, dos acontecimentos. Ao mesmo tempo, Melamed lembra que o ator não concebe o personagem ficcional desvinculado de um atravessamento íntimo. Não há como se ausentar de si – e não é diferente durante o processo de criação, inevitavelmente pessoal.
Contudo, o comprometimento com o que se diz nem sempre se traduz num tom confessional, transparente. Em Monólogo Público, Melamed se coloca diante da plateia, mas de maneira opaca. Os momentos claramente autobiográficos, aqueles em que o ator evoca trabalhos realizados no teatro e na televisão, são os menos interessantes; já nos mais instigantes, Melamed aborda a linguagem como viciada forma de comunicação ou de manifestação, a julgar pelas sátiras à terminologia acadêmica e ao discurso do espectador.
Seja como for, existe, na montagem, uma proposta de revelação, de desconstrução do fantasioso, no despojamento do teatral – tendência explicitada no palco nu, com os bastidores à mostra, que atrita, de certo modo, com a crescente (e algo gratuita) manipulação da superfície (o palco sobre palco) na segunda metade do espetáculo – e no figurino básico (de Luiza Marcier).
Apesar das eventuais restrições, Monólogo Público resulta de uma oportuna integração não “apenas” entre as funções acumuladas por Melamed (autor, ator, diretor) como entre os demais elementos que compõem a encenação – em especial, a cenografia de Sérgio Marimba e a iluminação de Adriana Ortiz.