A palavra corporificada
Ana Kfouri vem demonstrando coerência nas escolhas artísticas norteadoras da retomada de seu trabalho de atriz. Depois de mergulhar na obra de Valère Novarina, apresenta Uma Frase para minha Mãe, de Christian Prigent. São autores da mesma geração e que valorizam, ainda que de formas distintas, a experiência da linguagem.
Agora, Kfouri, que acumula a atuação com a direção (com colaboração artística de Marcio Abreu), insere o público na cena – o espectador é disposto em bancos, principais elementos da cenografia de André Sanches –, mas não o envolve de maneira direta; ao contrário, propõe desafios por meio de um texto em que a estrutura verbal se destaca sobre o universo temático, o que não significa que a reverberação do contato físico com a mãe, abordada por Prigent, não sobressaia.
Sem abandonar o conteúdo propriamente dito da obra, Ana Kfouri prioriza a palavra poética. Parece lembrar que a construção textual também deve ser investigada, recomendação pertinente em relação à dramaturgia de outro autor importante em sua trajetória – Nelson Rodrigues. Não houve, portanto, a preocupação em ocultar a natureza do texto original, traduzido por Marcelo Jacques de Moraes, em adaptá-lo para uma “linguagem teatral”, talvez devido à consciência de que a teatralidade é determinada pela concepção da cena e não pela gênese do material textual. Assim, a literatura impera no palco, sem disfarces. Não por acaso, folhas de papel gastas, com texto impresso, surgem espalhadas de modo desorganizado pelo chão. Uma imagem que simboliza a relevância destinada à palavra, bem como a disposição a operar sobre ela, destronando-a de um lugar sagrado.
Ana Kfouri corporifica as palavras de Pringet, apropria-se delas, em registro de atuação constantemente arrebatado, mas que não se reduz a um único diapasão. Seja como for, imprime presença vigorosa nos momentos de maior exasperação, de quase claustrofobia. Transita entre os espectadores em contracena com a iluminação de Paulo César Medeiros, às vezes guiada por ela, interação perceptível, apesar de a montagem ter sido reajustada para a intimista da galeria do Espaço Cultural Sergio Porto – a primeira temporada aconteceu no Mezanino do Sesc Copacabana.
Com Uma Frase para minha Mãe, Ana Kfouri volta a se lançar em projeto arriscado, tanto no que se refere à interpretação de um texto árduo quanto à coragem de confrontar o espectador com considerável grau de exigência.