A limitação da palavra
Ana Paula Secco e Paulo Hamilton em Beatriz, em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim (Foto de Dalton Valério)
A Cia. Atores de Laura despontou no panorama carioca por meio de montagens geradas a partir de criações coletivas, perfil mantido durante alguns anos. Migrou com sucesso para a encenação de peças de autores clássicos, como Shakespeare e Molière. Realizou apropriações de textos fechados através de operações em que o grupo frisava a disposição de afirmar autoria sobre o material dramatúrgico. E enveredou por transposição de obras literárias para a cena. Beatriz, nova montagem da companhia, integra não só essa trilha como representa a continuidade da parceria com Cristóvão Tezza e Bruno Lara Resende – respectivamente, o autor do livro em questão e o responsável pela adaptação – depois do bem-sucedido monólogo O Filho Eterno.
O texto de Beatriz exalta o descompasso vivenciado pelos dois personagens – entre o que falam e o que sentem, o que acontece e o que gostariam que acontecesse, o que desejariam ser e aquilo que efetivamente são. Esta distância faz com que os atores (Ana Paula Secco e Paulo Hamilton) transitem entre a primeira e a terceira pessoa, evidenciando, por meio da narração, toda a frustração diante do pouco que conseguem expressar ao outro. O jogo cênico daí decorrente é interessante, tanto sob o ponto de vista dramatúrgico quanto do registro interpretativo, mas soa repetitivo à medida que o espetáculo avança. Na verdade, os elementos mais instigantes na montagem de Daniel Herz residem no contraste entre o movimento interno pulsante dos personagens e o quase nada que ocorre no âmbito exterior e, em especial, na dificuldade de verbalização de personagens que trabalham com a palavra – ele como escritor, ela como tradutora. Fica a impressão de que a palavra pode ser uma limitada esfera de comunicação, como se não fosse possível externar tudo através dela.
O espetáculo tangencia o realismo, também destacando, porém, certo afastamento em relação a essa vertente. Na sala do apartamento de Beatriz, livros aparecem suspensos no ar; os personagens jantam; contudo não há comida e nem bebida, ausências que quebram com uma reconstituição convencional de ambientes, conforme concebido na cenografia de Aurora dos Campos, que insere cores fortes com discrição. A iluminação de Aurélio de Simoni valoriza a alternância entre os planos (o pensado, mas não dito, e o explicitamente expressado). Os figurinos de Patricia Muniz visam a um aproveitamento teatral, a julgar pelo modo como são “manipulados” ao longo da encenação. A música de Lucas Marcier e Fabiano Krieger não reitera os climas emocionais do texto.