A importância da revelação
Cassio Scapin na montagem de Eu não dava praquilo (Foto: João Caldas)
Num plano mais evidente, o monólogo Eu não dava praquilo, atualmente em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, é uma homenagem à atriz Myrian Muniz, lembrada por sua trajetória teatral: a formação na Escola de Arte Dramática, o contato com o cenógrafo Flávio Império, o acúmulo de experiências no Teatro de Arena, o ingresso na companhia de Dulcina de Moraes, a fundação do Teatro Escola Macunaíma, a direção do show Falso Brilhante, da cantora Elis Regina. Entretanto, Muniz é trazida à tona como símbolo do sentido genuíno do ofício do ator, sintetizado numa passagem: “No teatro, você vê que pode fazer o outro. Quando você percebe o outro, se percebe também. Quando descobre o outro, se descobre também”. Talvez seja o momento em que mais sobressaia o comprometimento de Scapin não “só” com Muniz, mas com a sua profissão.
Cassio Scapin evoca Myrian Muniz no gestual largo, expansivo e, principalmente, no inconfundível registro vocal da atriz, áspero, rascante, realçando o caráter de tributo de Eu não dava praquilo. Como Muniz, o ator inclui o público em sua explanação. No roteiro de Cassio Junqueira e Scapin, o espectador ganha um “papel”: o de integrante da plateia de uma palestra de Myrian Muniz sobre o seu percurso artístico. A informalidade do relato é sublinhada pela requisição da participação do público, mas a interação resulta dispensável.
O diretor Elias Andreato conduz uma montagem enxuta, marcada por neutralidade, a julgar pela cenografia e pelo figurino assinados por Fabio Namatame. O cenário é composto por um pequeno tablado, sobre o qual há uma cadeira, e por cortinas pretas transparentes. No início do espetáculo a imagem do ator é parcialmente ocultada pelo fato de estar por trás das cortinas e por aparecer sentado de costas para o público. A plateia logo tem acesso à figura de Scapin, mas, seja como for, Andreato destaca a importância da revelação – da personalidade artística de Myrian Muniz, em escala localizada, e do próprio ator, dimensionado como profissional que deve buscar o autoconhecimento e se expor diante do espectador, em esfera mais abrangente.
Os focos da iluminação de Wagner Freire convergem para Scapin/Muniz, demonstrando sintonia com a proposta de neutralidade, quebrada apenas no instante de menção a Dona Doida – Um Interlúdio, monólogo com a atriz Fernanda Montenegro, sob a direção de Naum Alves de Souza, concebido a partir da reunião de poesias de Adélia Prado. Eu não dava praquilo desponta como uma montagem de porte reduzido que acertadamente abre mão da ambição de abordar a totalidade de uma jornada. Ao realizar um recorte da carreira de Myrian Muniz, a encenação toca, de modo oportuno, em questões amplas, determinantes, da profissão de ator.