A guerra em perspectiva intimista
Fernanda Nobre e Ester Jablonski em O Corpo da Mulher como Campo de Batalha, em cartaz até domingo no Sesc Copacabana (Foto: Nil Caniné)
O dramaturgo romeno Matéi Visniec entrelaça, em O Corpo da Mulher como Campo de Batalha, a esfera pública e a privada, conjuga a perspectiva coletiva com a individual. Aborda as consequências nefastas da guerra da Bósnia sofridas pelas mulheres e, em particular, por uma, Dorra, grávida de um estupro. A reverberação íntima dessa violência vem à tona no contato com Kate, uma psicoterapeuta norte-americana que, de início, procura ganhar a confiança da jovem vitimada ao mostrar interesse pela jornada dela e, de um dado momento em diante, quebra a distância ao revelar um desejo que transcende o âmbito profissional. O embate entre as mulheres não é uma parte insignificante de um panorama; ao contrário, evidencia as implicações de um contexto trágico.
Espetáculo dirigido por Fernando Philbert (que pertence ao projeto Mulheres em Cena, composto também pela montagem de Bonecas Quebradas, e encerra temporada, na Sala Multiuso do Sesc Copacabana, no próximo domingo), O Corpo da Mulher como Campo de Batalha resulta do somatório de criações mais propositivas que reiterativas em relação ao material dramatúrgico que chega ao palco em tradução de Alexandre David. Há uma integração entre a cenografia de Natália Lana – formada por uma lâmina espelhada, uma superfície cinza, disposta verticalmente a partir de determinado ponto, e uma cadeira, elementos de uma espacialidade que divide a plateia ao meio – e a iluminação de Vilmar Olos – ora mais dura, ora mais crepuscular, mas sem uma conexão óbvia com as variações emocionais do texto. De acordo com a incidência da luz, a imagem das personagens, quando sentadas na cadeira, se duplica ou se divide ao meio, como acontece com o público. A instigante trilha sonora de Tato Taborda é rascante, incômoda, com exceção do final, marcado por canção de melodia que remete à tradição. A direção de movimento de Marina Salomon potencializa a expressividade do corpo em suspensão e os instantes catárticos de Dorra.
Os desempenhos das atrizes tangenciam a linearidade, sensação minimizada, em certo grau, ao longo da sessão. Ester Jablonski apresenta um tom de voz algo monocórdico, que não sugere atmosferas que estimulem a imaginação do espectador. Mas o problema diminui à medida que projeta – de modo sincero, comprometido – o envolvimento pessoal da psicoterapeuta com o futuro de Dorra. Fernanda Nobre tem interpretação que carece de modulações, de um maior colorido, rompendo, porém, com a previsibilidade nas passagens em que se apropria da agonia da personagem.
Sem abrir mão de uma construção estrutural – perceptível na alternância entre vivência e narração dos fatos, entre a evocação do passado e a constatação do presente –, mas, ao mesmo tempo, sem lançar obstáculos à apreciação do público, O Corpo da Mulher como Campo de Batalha é um texto que investe na força da palavra e na contundência da temática. Tais diretrizes são mantidas numa encenação, que nem exatamente se impõe, nem adota postura subserviente em relação à obra original.