A escassez de elementos como riqueza do teatro
Cena de Suit, espetáculo de Peter Brook apresentado na Cidade das Artes (Foto: Lenise Pinheiro)
Um trabalho como The Suit, atração da Cidade das Artes nas últimas quinta e sexta-feira, remete à experiência de Peter Brook com os atores do Centro Internacional de Pesquisa Teatral na África, na primeira metade da década de 1970. A conexão não se dá apenas por se tratar de um texto do escritor sul-africano Can Themba – um conto adaptado para o teatro por Mothobi Mutloatse e Barney Simon –, mas também pela prática de uma cena constituída por poucos objetos, concepção potencializada por Brook, não só nessa montagem (que integra o repertório da companhia desde 2011) como em diversas que atravessaram a sua carreira.
Assinado em parceria por Peter Brook, Marie-Hélène Estienne e Franck Krawczyk, o espetáculo se impõe pelo minimalismo. Bastante despojada, a cenografia tem como elementos principais algumas cadeiras coloridas. Na contramão da grandiosidade, a montagem valoriza as presenças dos atores. Essa proposta de teatro realça a ligação entre Peter Brook e outro encenador, Jerzy Grotowski, que, por meio do conceito de Teatro Pobre, defendeu uma cena destituída de quaisquer adereços supérfluos, centrada na relação entre ator e espectador. É claro que não se pode perder de vista determinadas especificidades (Grotowski acreditava na interação de alma para alma entre um ator e um espectador), mas Brook comprovou que a riqueza do teatro reside na sua escassez ao viajar pela África realizando apresentações em que os atores não falavam a língua dos espectadores, a iluminação era a luz do sol e o cenário, tão-somente um tapete para delimitar a área de atuação.
A natureza sintética, comedida, da encenação (a Grande Sala da Cidade das Artes certamente não é o espaço mais adequado para receber uma montagem como essa, que pede dimensão reduzida, mais concentrada) vem à tona através de criações de alta qualidade, a julgar pela importância e, ao mesmo tempo, sutil dosagem da trilha sonora (os músicos Jay Phelps, Harry Sankey e Danny Wallington permanecem no palco) e pelo expressivo emprego da cor na iluminação de Philippe Vialatte. Não se deve deixar de destacar os desempenhos dos atores (Cherise Adams-Burnnet, dona de bela voz, Jared McNeill e Ery Nzaramba), que transitam com organicidade entre a interpretação dos personagens e a narração, sem a preocupação de demarcar a passagem de um plano para o outro, para contar a dolorosa história de Philomen e Matilda a partir do momento em que ele descobre que ela tem um amante e mantém o casamento, mas em cotidiano no qual a necessidade de vingança (simbolizada pelo terno do título) se sobrepõe à capacidade de perdoar.