A desconstrução do perfeccionismo
Adaptação de Pequenos Trabalhos para Velhos Palhaços, texto do dramaturgo romeno Matei Visniec, Adeus, Palhaços Mortos sugere uma crítica ao mundo contemporâneo, a uma conjuntura que desfavorece artistas, considerados como obsoletos, dispensados, relegados a um provável esquecimento, que se reencontram em busca de uma oportunidade. Essa crítica não desponta por meio da exaltação do circo como manifestação artística artesanal, mas José Roberto Jardim – diretor da montagem da Academia de Palhaços que encerra hoje temporada no Mezanino do Sesc Copacabana – desconstrói o perfeccionismo tecnológico a partir do qual, a princípio, o espetáculo parece ter sido erguido. Há, nesse sentido, uma espécie de paradoxo: a encenação depende e, por outro lado, problematiza a tecnologia, que provoca um deslumbramento vazio, imperante no aqui/agora, a julgar por um comentário irônico, inserido, em determinado momento, em que um dos palhaços reclama da priorização a um teatro ruidoso e escorado em monumentalidade visual.
Também responsável pela adaptação do texto, Jardim confina os atores – Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio – num cubo. Dentro dele, as cenas se sucedem como quadros vivos. As paredes desse espaço recebem projeções variadas (cenografia e vídeo-instalação de BijaRi), que, porém, não apontam para um uso impessoal da tecnologia, na medida em que evidenciam escolhas – no caso, de formatos geométricos. Quando o texto termina ocorre uma suspensão radical da atmosfera criada. Luzes de plateia são acesas e os atores saem das personagens para logo após retomá-las. Mas o texto não é repetido de modo idêntico, e sim de forma condensada. Depois de nova interrupção, o texto é retomado mais uma vez, de maneira ainda mais simplificada, e com o aparato tecnológico (as projeções) em pane. Em Adeus, Palhaços Mortos, a realização rigorosa se estende à própria falha.
Jardim investe num jogo de repetições, talvez para lembrar que a repetição, em si, não é um mecanismo possível. Essa constatação se relaciona com a menção ao dramaturgo Samuel Beckett (citado, particularmente, pela peça curta Eu Não, mas evocado em outros textos de Visniec, como O Último Godot), autor de obras em que as estruturas circulares indicam repetições apenas aparentes. O diretor orquestra partituras – tanto sonora (impositiva, rascante, intencionalmente incômoda, irrepetível tendo em vista que feita ao vivo por Tiago de Mello, autor da trilha) quanto física (ao conduzir os atores para um registro interpretativo artificial, codificado, estilizado, literalmente mascarado, de fisicalidade precisa). O acabamento estético se complementa nos figurinos de Lino Villaventura, exuberantes, mas concebidos a partir da discrição da cor preta, e no visagismo de Leopoldo Pacheco. Adeus, Palhaços Mortos se impõe como uma experiência inegavelmente original.