A cena da desestabilização
João Vitti e Tânia Pires em A Dama do Mar, montagem de Paulo de Moraes (Foto: Leo Aversa)
A classificação de “pai do realismo” não é suficiente para dimensionar a dramaturgia do norueguês Henrik Ibsen, tendo em vista que o autor escreveu textos não filiados a esta corrente. Mas no plano temático há determinadas constâncias em sua obra, como a relevância do mar, o incômodo diante da hipocrisia social e a defesa da liberdade do indivíduo (em especial, no que se refere à emancipação feminina). Casa de Bonecas – peça centrada em Nora Helmer, que proclama sua independência abrindo mão de um cotidiano familiar estável, no qual permanecia protegida numa espécie de redoma – é um exemplo.
Em A Dama do Mar, Ibsen aborda a questão do livre arbítrio por meio da jornada de Ellida, que vive em crise com o marido, o médico Wangel. Talvez o mais importante para Ellida não resida na continuidade ou na interrupção do casamento, e sim na necessidade de se sentir livre para tomar suas decisões. Este dado vem parcialmente à tona na montagem de Paulo de Moraes, realizada a partir de versão condensada da peça a cargo de Maurício Arruda Mendonça, habitual parceiro dramatúrgico do diretor nas encenações da Cia. Armazém.
O espetáculo em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim tem nos dois aquários (um pequeno e um grande, onde mergulham Ellida e o Estrangeiro) os principais elementos cenográficos (o próprio Paulo de Moraes assina o cenário), evidenciando a conexão da protagonista com a paisagem marítima. O diretor também optou por palco inclinado com o possível intuito de potencializar a desestabilização de Ellida. A já mencionada condensação da obra original e essa concepção cenográfica são dignas de nota, mas não chegam a estabelecer um olhar mais personalizado em relação à peça de Ibsen.
Há, em todo caso, outros interessantes componentes da cena, como a iluminação de Maneco Quinderé, que privilegia a neutralidade em detrimento do uso de tonalidades fortes, e a direção de movimento de Duda Maia, que sobressai através da cena catártica de Bolette e do afastamento do realismo do Estrangeiro. Estas marcações mais realçadas contrastam com certa contenção imperante na maior parte dos demais personagens. No elenco, irregular, cabe destacar as atuações de Renata Guida, que projeta bem a intensidade de Bolette, João Vitti, que dá vazão a uma criação menos previsível, e Leonardo Hinckel, que demonstra apreciável controle técnico, apesar de imprimir vigor que vem se tornando frequente em seus trabalhos.