Vidas em suspenso
Rodrigo Pandolfo e Louise D’Tuani em Alaska, em cartaz no Teatro Poeira (Foto: Pat Cividanes)
Mais do que uma proposta de localização, Alaska, título dessa peça da norte-americana Cindy Lou Johnson, simboliza a necessidade de isolamento para dois personagens, Henry e Rosannah, que, por razões distintas, perderam a estabilidade emocional em determinado momento de suas jornadas. Essa construção psicológica é apresentada de forma clara ao longo do texto. No entanto, a encenação assinada por Rodrigo Pandolfo (acumulando a função de ator), em cartaz no Teatro Poeira, evidencia o desejo de provocar certo estranhamento no público por meio da quebra da linguagem realista.
Esse direcionamento se manifesta, em especial, através da inclusão, em cena, dos bailarinos Alexandre Maïa e Tayson Pio e da cenográfica de Miguel Pinto Guimarães. Em esfera pontual, transparece em assumida inverossimilhança (a informação de que Rosannah dirigiu do Brasil até o Alaska) inserida a partir de discreta liberdade na abordagem do texto original.
Os bailarinos frequentemente carregam e manipulam Pandolfo e Louise D’Tuani, intérpretes dos personagens, na contramão da movimentação cotidiana (direção de movimento de Lavínia Bizzotto). Os corpos dos atores surgem em suspenso, como se os personagens, diante de experiências lancinantes, tivessem sido confrontados com a urgência de interromper o fluxo automático da vida. Essa interrupção não representa obrigatoriamente o fim; pode ser uma transição.
O cenário, não por acaso, traz elementos erguidos no ar (vestido de noiva, tronco de árvore). Há também objetos do dia a dia (fogão, banheira), ainda que a concepção visual deles transcenda o meramente utilitário. A cabana onde se estabelece o improvável encontro entre Henry e Rosannah é um ambiente concreto, mas não “apenas”. Por causa das extremadas condições meteorológicas externas, que os impedem de sair, a cabana se transforma inevitavelmente numa espécie de bunker.
As fronteiras quase intransponíveis desse espaço fechado são intencionalmente rompidas nos instantes de explosão do realismo, marcados pela ocasional retirada dos personagens de cena. Essa relativização do real é reforçada pelo destaque do artifício, como a imagem dos flocos de neve que tomam o palco de modo eventual. Em sintonia com a espacialidade, os rasgos horizontais da iluminação de Wagner Antônio.
Rodrigo Pandolfo e Louise D’Tuani demonstram entrosamento – ele expressando o estado de perplexidade do personagem, principalmente nos primeiros minutos, e ela dando vazão à intensidade nervosa, à tentativa de conter os impulsos de descontrole. No decorrer do espetáculo, Pandolfo busca uma diversificação na temperatura dramática, oscilando da interiorização à passionalidade, e D’Tuani permanece mais centrada no mesmo registro, o que não implica em linearidade.
A encenação de Alaska escapa do risco do formalismo estéril e resulta de proposições instigantes em relação ao texto de Cindy Lou Johnson.
ALASKA – Texto de Cindy Lou Johnson. Direção de Rodrigo Pandolfo. Com Rodrigo Pandolfo e Louise D’Tuani. Teatro Poeira (R. São João Batista, 104). De qui. a sáb. às 20h e dom., às 19h. Ingressos: R$ 80,00 e R$ 40,00 (meia-entrada).