Uma montagem desafiadora
Deborah Evelyn, Suely Franco e Fernanda Nobre em Três Mulheres Altas (Foto: Pino Gomes)
Edward Albee realiza uma significativa mudança estrutural entre os dois atos que constituem Três Mulheres Altas. O primeiro é tradicionalmente realista e coloca o público diante de mulheres de gerações distintas, portadoras de condições sociais e visões de mundo também diversas: uma idosa, que, em meio a delírios, traz à tona momentos marcantes da própria vida (a relação atribulada com os homens, a ascensão econômica, o privilégio de classe); uma dama de companhia, que administra com diplomacia as crises emocionais da patroa sem, com isso, perder sua voz; e uma advogada, mais jovem, insubordinada e sintonizada com a derrocada dos preconceitos em sociedade. O primeiro ato termina com uma circunstância de desfecho, de encerramento, e o segundo começa com uma surpresa, a suspensão da situação realista anteriormente apresentada e uma abordagem da transformação da mulher, em esfera íntima e coletiva, ao longo do tempo.
A encenação dessa desafiadora peça de Albee, em tradução de Gustavo Pinheiro, retorna ao Teatro Copacabana, mesmo espaço da primeira temporada, com uma alteração no elenco – Fernanda Nobre assume o papel da advogada antes interpretada por Natália Dill. A escolha do texto e o porte da produção dirigida por Fernando Philbert são bastante afinados com o Copacabana, palco historicamente conhecido pela realização de espetáculos filiados a uma linha de teatro de mercado elegante. Um perfil implantado, no decorrer dos anos 1950, pela companhia Os Artistas Unidos e mantido nas décadas seguintes, seja através de montagens de textos abertamente escapistas, seja de eventuais incursões em dramaturgia clássica, mas caracterizadas por requinte nas criações artísticas (cenário, figurino, iluminação).
A adesão da encenação de Três Mulheres Altas a esse requinte se traduz na ótima cenografia de Natália Lana, apreciável no expressivo uso de cores neutras dispostas de maneira sóbria e em certo impacto suscitado pela verticalidade das cortinas que revestem o quarto da idosa. Diferentemente da montagem norte-americana, na qual havia, numa das laterais do palco, um recorte de ambiente que sugeria a continuidade da casa, aqui o espaço cenográfico se restringe ao quarto onde a dialogação se desenrola. Os figurinos de Tiago Ribeiro, apesar do bom acabamento, estão deslocados em relação à proposta realista do primeiro ato para as personagens da dama de companhia e da advogada. A iluminação de Vilmar Olos sobressai através de sutis gradações.
Fernando Philbert investe naquilo que se tornou pouco frequente nas últimas décadas: um desenho de produção refinado a serviço do chamado teatro de texto, sem interferências dispersivas, o que não deve ser necessariamente entendido como ausência de perspectiva autoral por parte dos envolvidos na concepção do espetáculo. Além da produção e do texto, há a valorização do trabalho interpretativo. Suely Franco, ainda que distante, na construção física, do universo aristocrático que a personagem passou a integrar, domina de modo admirável a confusão mental da idosa, a difícil tarefa de estabelecer uma escuta e, consequentemente, uma interação fluente com as outras personagens. A atriz se vale com habilidade de um tom algo expansivo, demonstrando controle em relação às crises de descontrole da personagem. Deborah Evelyn, como a dama de companhia, reage com absoluta precisão às falas e ações da idosa e da advogada. Evidencia, dessa forma, comprometimento com o instante imediato da cena. Essa qualidade é perceptível não apenas nas passagens em que a personagem ganha destaque como quando permanece em plano discreto, longe de qualquer protagonismo. Fernanda Nobre projeta tanto a indignação da advogada diante de posicionamentos reacionários quanto a angústia da jovem frente ao que surge programado para o futuro. João Sena completa o elenco em participação pontual.
Peça que já rendeu uma boa montagem brasileira na década de 1990, sob a direção de José Possi Neto, Três Mulheres Altas volta à cena contrastando com o vapt-vupt da contemporaneidade. Acertadamente, o espetáculo de Fernando Philbert não facilita, por meio de concessões, a apreciação do espectador.
TRÊS MULHERES ALTAS – Texto de Edward Albee. Direção de Fernando Philbert. Com Suely Franco, Deborah Evelyn, Fernanda Nobre e João Sena. Teatro Copacabana (R. Nossa Senhora de Copacabana, 261). Qui., sex. e sáb., às 19h30 e dom., às 17h. Ingressos: R$ 160,00 (plateia, frisas, camarotes) e R$ 80,00 (meia-entrada); R$ 39,60 (balcão) e R$ 19,80 (meia-entrada).