Uma comédia interrompida antes do fim
O investimento num teatro voltado para uma ampla faixa de espectadores é representado, entre outros espetáculos da atual temporada do Rio de Janeiro, por Baixa Terapia, peça do dramaturgo argentino Matias Del Federico que ganha o palco em montagem dirigida por Marco Antônio Pâmio, em cartaz até o próximo domingo no Teatro Clara Nunes. Sem perder de vista a importância da experimentação de linguagem no panorama contemporâneo, um espetáculo filiado à tradição do teatro de mercado supre uma lacuna fundamental na cena de hoje, levando em conta o crescente afastamento de uma expressiva camada de público nas últimas décadas.
A escolha de um texto pertencente à comédia é natural, uma vez que esse gênero costuma suscitar uma relação mais direta e imediata com a plateia. Os personagens de Del Federico irrompem no palco como casais que se reúnem para uma terapia de grupo e se veem diante de uma circunstância, no mínimo, inusitada: a terapeuta propositadamente se ausenta e deixa instruções que devem ser seguidas pelos pacientes. O mote é promissor e não há como explicar mais sem anunciar reviravoltas que o autor reserva ao espectador.
No entanto, mesmo sem ignorar a bem-vinda longevidade da carreira do espetáculo em São Paulo e o comparecimento do público no Rio, Baixa Terapia sinaliza problemas em sua concepção dramatúrgica. Verborrágico, o texto não alcança a pretendida voltagem de humor. E a virada final da história, apesar de surpreendente, evidencia uma desvalorização da própria comédia.
A revelação que encerra a peça traz à tona um assunto grave e, nesse instante, Del Federico se distancia do cômico, como se o julgasse inapropriado para abordar a questão. Ao requisitar o drama, numa brusca mudança de tom, para chamar atenção para uma temática bastante séria, o autor parece considerar a comédia como campo limitado, ineficaz diante de objetivos como estimular uma reflexão ou gerar um potencial de choque – objetivos supostamente maiores, mais nobres, do que entreter a plateia. Baixa Terapia termina como uma comédia que, de alguma maneira, renega o gênero, como uma comédia envergonhada. Mas também há no desfecho uma homenagem à representação como caminho para elucidar a verdade, o que remete ao ofício teatral e, em particular, ao trabalho do ator, que constantemente se expõe através das identidades fictícias assumidas no palco.
No que diz respeito à encenação, Marco Antônio Pâmio orquestra a movimentação dos atores – dispostos, de acordo com a situação, num único espaço fechado –, mas não evita uma sensação de estatismo, decorrente do texto, que carece de vitalidade na vagarosa evolução dos personagens pelos estágios da terapia em grupo. Contudo, a opção por uma peça como Baixa Terapia é louvável em se tratando da trajetória de Antonio Fagundes. Ator consagrado na televisão, Fagundes, porém, nunca se separou do teatro. Permaneceu ao longo do tempo participando de montagens de espetáculos e, mais do que isso, esteve à frente, durante boa parte da década de 1980, de uma companhia – a Companhia Estável de Repertório, projeto movido por sua associação com o produtor Lenine Tavares. No caso desse texto em específico, Fagundes se dedica a um material que não oferece oportunidades como protagonista. Ele divide igualitariamente a cena com os outros cinco atores. Não se preocupou com a priorização de uma peça que favorecesse seu brilho individual, o que demonstra generosidade artística e desconexão com o vedetismo do primeiro ator.
Fagundes, portanto, surge integrado ao coletivo, em sintonia com o registro naturalista, praticado por quase todo o elenco: Alexandra Martins, Fábio Espósito, Guilherme Magon e Mara Carvalho. O rendimento é variável, com destaque para Carvalho. A exceção é Ilana Kaplan, cuja interpretação contrasta com esse código. A atriz aproveita o seu domínio da linguagem clownesca para delinear uma personagem oprimida, à beira do transbordamento, do extravasamento. É uma atuação estilizada, expandida, que intencionalmente destoa das demais, com bons momentos de graça física e certa concessão à afetação.
Ainda que as restrições referentes ao terreno da dramaturgia reverberem na encenação, Baixa Terapia cumpre a missão de reaproximar ou preservar a presença de uma quantidade significativa de público no teatro.
Baixa Terapia – Texto de Matías Del Federico. Direção de Marco Antônio Pâmio. Com Antonio Fagundes, Ilana Kaplan, Fábio Espósito, Mara Carvalho, Guilherme Magon e Alexandra Martins, Teatro Clara Nunes (R. Marquês de São Vicente, 52 – Shopping da Gávea). Sex., às 21h, sáb., às 20h e dom., às 18h. Ingressos: R$ 140,00 e R$ 70,00 (meia-entrada). Peça + visita aos bastidores: R$ 240,00 e R$ 170,00 (meia-entrada).