Teatro com poucos – e suficientes – elementos
Filipe Bregantim, Fernando Paz e Fernando Sampaio em Ordinários, encenação dirigida por Alvaro Assad (foto: Paulo Barbuto)
O recurso do humor realça, em Ordinários, o absurdo da guerra. O espetáculo da companhia LaMínima, em cartaz até o próximo domingo no Sesc Copacabana, apresenta personagens concebidos em linguagem clownesca. São soldados que compõem um pequeno exército Brancaleone, evidenciando posturas tão distintas quanto inadaptadas ao contexto da guerra: um que tenta impor voz de comando, tarefa que desempenha de maneira um tanto atabalhoada; outro que obedece à risca uma espécie de manual de comportamento, como bom aluno que decorou a lição, mas age sem sucesso; e mais um que foge das obrigações e, ao contrário do previsto, se mostra mais eficiente.
Esses soldados encontram-se perdidos, em busca do major, aguardando ordens para seguir em frente. Não fosse por esse vago fio condutor, as cenas poderiam ser assistidas independentemente, como quadros avulsos, o que, de alguma forma, acontece em pelo menos um instante do espetáculo: aquele em que um dos soldados dá vazão, a partir dos sons extraídos de bordas de vidros, a um número musical. Não por acaso, na ficha técnica não há menção a um texto, e sim a um roteiro criado coletivamente pelo dramaturgo Newton Moreno, pelo diretor Alvaro Assad e pelos atores da companhia.
Se por um lado esse número musical representa uma intencional quebra na continuidade dramatúrgica, por outro está plenamente afinado com a proposta de uma encenação que celebra o teatro como artesanato, feito com elementos escassos, na contramão da suntuosidade. Nesse trabalho concretizado com pouco, cada componente da montagem revela esmero na preparação – como os figurinos gastos, repletos de marcas de uso, de Carol Badra – e renúncia à sedução do público através do deslumbramento estético – a exemplo da iluminação de Marcel Alani, que contribui decisivamente para a comédia na brincadeira com a passagem da noite para o dia e encerra o espetáculo de modo expressivo. Por meio da redução dos objetos de cena, restritos ao necessário, e da valorização dos atores, Ordinários presta uma homenagem ao teatro, sublinhada no encaminhamento da situação na parte final da apresentação.
Alvaro Assad mantém esse espírito de síntese, o que confere ao todo uma unidade que minimiza a já discreta diminuição na voltagem de humor quando a montagem se alonga ligeiramente. A sintonia e o entrosamento entre os atores Fernando Paz, Fernando Sampaio e Filipe Bregantim são determinantes para o ótimo resultado. Os três demonstram domínio físico da arte da palhaçaria, sem enveredarem pelo exibicionismo técnico, e da palavra, valendo citar os divertidos momentos em que falam sobre localizações geográficas no mapa. Não há como destacar um dos atores em relação aos demais. Isto não é uma limitação, mas uma prova de integração, reforçada pelas marcações em conjunto.
Montagem que estreou, em São Paulo, em 2018, Ordinários chega ao Rio de Janeiro. É um fato que merece comemoração, apesar do trabalho não ter desembarcado no espaço mais adequado. O Sesc Copacabana conta com uma arena completa que deve ser destinada a espetáculos que aproveitem essa configuração. Não é o caso desse, apresentado no formato meia-lua. Seja como for, a companhia LaMínima aborda, com inventividade, a tragédia e o nonsense da guerra – a última cena, com referência ao campo minado, traz à lembrança, mesmo que em registro suave, o agoniante desfecho de Terra de Ninguém (2001), filme de Danis Tanovic – por meio da mestria corporal dos atores e da quase ausência de didatismo no roteiro dramatúrgico.
Ordinários – Roteiro dramatúrgico de Newton Moreno, Alvaro Assad e companhia LaMínima. Direção de Álvaro Assad. Com Fernando Paz, Fernando Sampaio e Filipe Bregantim. Sesc Copacabana (R. Domingos Ferreira, 160). De qui. a dom. às 20h. Ingressos: R$ 30,00, R$ 15,00 (meia-entrada), R$ 7,50 (associados do Sesc).