Experiência e sangue novo
Leandro Knopfholz e Fabíula Bona Passini dividem a direção do Festival de Curitiba (Foto: Annelize Tozetto)
Ao chegar à 32ª edição, o Festival de Curitiba evidencia preocupação com a preservação de suas características centrais, mas sem ceder à acomodação. Permanecem a programação dividida entre mostra oficial (rebatizada de Mostra Lucia Camargo, em homenagem a uma das curadoras do festival, que morreu em 2020) e Fringe. Dentro disso, porém, diversas propostas despontaram ao longo do tempo. A mais recente é a Mostra Surda de Teatro, voltada para montagens concebidas em torno do protagonismo de artistas surdos.
No que se refere à programação oficial, os grupos de curadores têm mudado. Já estiveram nessa função os críticos Alberto Guzik, Macksen Luiz e Tania Brandão, os jornalistas João Cândido Galvão e Celso Curi, a gestora cultural Lucia Camargo, o diretor Marcio Abreu e o ator Guilherme Weber. No momento, a curadoria é assinada pela produtora Daniele Sampaio, pela atriz Giovana Soar e pelo crítico Patrick Pessoa.
O Fringe, que surgiu em 1998 seguindo o modelo do Festival de Edimburgo, foi criado com o objetivo de apresentar ao público um apanhado da cena brasileira através da oferta de espetáculos reunidos por inscrição e não por seleção. Depois o Fringe passou a contar com mostras internas que, de alguma maneira, localizam o espectador em meio à variedade de atrações.
As alterações que vêm marcando o festival também estão ligadas à troca ou da inclusão de nomes na direção do evento. Em 1992, o festival era capitaneado por Carlos Eduardo Bittencourt, Cássio Chameki, César Heli Oliveira, Leandro Knopfholz e Victor Aronis. Aos poucos, os sócios migraram para outros projetos. Leandro e Cássio, por exemplo, foram trabalhar na prefeitura de Curitiba. A condução do festival ficou a cargo, entre 2001 e 2007, de Victor, que se distanciou para se dedicar ao Festival de Dança de Joinville. Hoje Leandro se encontra à frente do festival juntamente com Fabíula Bona Passini, que, no decorrer do tempo, exerceu funções diferentes dentro do festival: apoio na bilheteria, recepcionista, produtora e, agora, diretora. O festival, felizmente, está com as próximas edições garantidas, graças ao patrocínio trienal da Petrobras.
Entrevista / Leandro Knopfholz
Como era a estrutura de programação nos primeiros anos do festival?
O festival começou em 1992. Mas o primeiro Fringe aconteceu em 1998. Desde o início havia a Programação Associada, que reunia os espetáculos em cartaz em Curitiba. Em 1997 conheci o Fringe no Festival de Edimburgo. Sugeri que fizéssemos aqui também. Mapeamos mais de 100 possíveis salas de apresentação em Curitiba, mas poucas se encontravam em estado de utilidade. Equipamos minimamente as salas e inauguramos o Fringe. Oferecíamos, além da sala, som, luz e um profissional. O Fringe ganhou projeção. Também seguindo o exemplo de Edimburgo, onde o Fringe é uma grande feira, comecei a convidar programadores.
O Fringe se propõe a ser um espaço democrático, que reúne centenas de espetáculos por inscrição. Mas em que medida essa democratização é possível quando, por questões econômicas, a maior parte dos espetáculos que participa do festival é do Sudeste?
Sempre quis ter espetáculos de todos os estados do Brasil. Em determinado momento achamos que o Fringe ficou confuso e passamos a organizar mostras internas.
Como surgiram essas mostras?
Em 2003, Diogo Portugal nos procurou e propôs uma mostra de stand-up. Assim surgiu o Risorama. Depois, inspirado no Taste, realizado em Edimburgo, criamos o Gastronomix. Não inventei nada; copiei. Mas fui o primeiro a copiar. Também fizemos a mostra XXX, voltada para espetáculos eróticos, e outras: MishMash, Mostra dos Excluídos.
A partir da sua memória emotiva, quais os espetáculos que você destacaria ao longo dessas 32 edições do festival?
Sonho de uma Noite de Verão, com direção do Cacá Rosset, A Bao a Qu, da Companhia dos Atores, As Boas, do Teatro Oficina, A Vida é Sonho, assinado por Gabriel Villela, The Flash and Crash Days, espetáculo do Gerald Thomas, Corra enquanto é Tempo, A Farsa da Esposa Muda, A Rua da Amargura – esses três do Grupo Galpão –, Nova Velha História, encenação do Antunes Filho, Roberto Zucco, montagem de Nehle Franke, Angeli, d’Os Parlapatões, a Trilogia Bíblica (Paraíso Perdido, O Livro de Jó, Apocalipse 1,11) concebida por Antonio Araujo no grupo Teatro da Vertigem, A Máquina, espetáculo de João Falcão, 25 Homens, com direção de François Kahn, e Needles and Opium, assinado por Robert Lepage. Apesar de Curitiba ser considerada uma cidade careta, tivemos apoio para trazer espetáculos polêmicos, como O Melhor do Homem, encenação do Ulysses Cruz que foi cancelada em São Paulo por causa da temática gay, e os mencionados Sonho de uma Noite de Verão e as encenações da Trilogia Bíblica. A questão da inclusão veio depois. Nesse sentido, outro trabalho que integrou a programação foi BR Trans, solo de Silvero Pereira.
Como se dá a divisão de tarefas entre você e Fabíula na direção do festival?
Fico com a parte de patrocínio e orçamento. Aliás, graças ao patrocínio trienal da Petrobras – a primeira vez que conseguimos –, as edições de 2025 e 2026 já estão garantidas. Fabíula fica voltada para produção e programação. Mas pretendo me afastar. Estou cansado. Tenho aceitado “não” como resposta muito rápido e isso não é bom.
Entrevista / Fabíula Bona Passini
Como começou a sua ligação com o Festival de Curitiba?
Sou de Xanxerê, município de Santa Catarina. Comecei a fazer teatro aos 11 anos. Vim para Curitiba cursar faculdade de teatro já por causa do festival. Queria muito trabalhar no festival. Em 2009 abriu uma vaga de apoio na bilheteria. Naquela época, os ingressos não eram vendidos online – só fisicamente. O meu trabalho consistia em conversar com as pessoas na fila para que quando chegasse a hora de comprar já soubessem o espetáculo que iriam assistir. Em 2010 abriu uma vaga de recepcionista. Consegui a vaga. Depois comecei a me envolver com produção executiva e a vontade de ser atriz foi diminuindo. Em determinado momento fiz a direção de produção do festival. Em 2019, Leandro me chamou para a direção do festival. Mas o evento foi cancelado em 2020 por causa da pandemia.
O festival vem mudando os curadores nos últimos anos. Essas mudanças refletem, de alguma maneira, alterações no perfil da programação?
Peguei o momento de passagem da curadoria de Celso Curi, Lucia Camargo e Tania Brandão para Guilherme Weber e Marcio Abreu. Agora a curadoria é assinada por Daniele Sampaio, Giovana Soar e Patrick Pessoa. Estabelecemos que cada grupo de curador deve permanecer no festival durante dois anos. Acho que Daniele, Giovana e Patrick continuam, de certa maneira, o trabalho de Guilherme e Marcio, no que se refere à preparação de um público para o teatro alternativo. Hoje a curadoria se preocupa em convidar artistas e grupos que nunca vieram ao festival. Em todo caso, diversidade é fundamental. Precisamos ter comédias como Duetos e trabalhos identitários como Manifesto Transpofágico. Em alguns casos, o festival convida diretamente espetáculos, como foi o caso de O que nos mantém Vivos?, mas a curadoria abraça essa escolha.
No decorrer do tempo, o Fringe vem passando por alterações, não? Essa parte do festival, destinada à reunião de espetáculos por ordem de inscrição e não a partir de uma seleção, começou a contar com mostras internas.
Depois da pandemia, pensei: ou o Fringe muda ou termina. Não adiantava mais abrirmos um cadastro e fornecermos um espaço. Muitos espetáculos vinham enfrentando problema de falta de público. Também havia a questão da troca incessante de cenários em espaços que abrigavam várias montagens. Criamos um sistema de inscrições de mostras e, a partir daí, selecionamos 10. Cada mostra recebe R$ 5 mil, o espaço e a hospedagem. Estabelecemos que cada companhia deve apresentar quatro espetáculos e uma ação formativa. Além disso, criamos a rodada de negociações: programadores de espaços de diversas cidades vêm assistir aos espetáculos. Isso deu muita vida ao Fringe.
A escolha dessas mostras implica numa curadoria?
Não propriamente. Não olhamos para os espetáculos individualmente, e sim para as propostas das mostras.
O Festival de Curitiba é fundamentalmente destinado à produção teatral brasileira, com raras aberturas para espetáculos internacionais. Há intenção de incluir montagens estrangeiras ou prevalece o desejo de manter o perfil nacional? Na mostra oficial (Lucia Camargo) costumamos ter um espetáculo internacional. Esse ano teríamos três. Mas, por questões econômicas, precisamos tirá-los. Não tínhamos confirmação de patrocinador. Ano que vem queremos fazer uma Mostra Latina.