A forma como marca autoral

Reynaldo Gianecchini e Tainá Müller em Brilho Eterno (Foto: Annelize Tozetto)
CURITIBA – Jorge Farjalla é um diretor que procura imprimir assinatura autoral na transposição dos textos para a cena. Não por acaso, costuma classificar seus espetáculos como versões a partir de originais dramatúrgicos. A determinação em frisar uma marca própria vem norteando as montagens de peças heterogêneas, como Doroteia, que ocupa lugar singular dentro da obra de Nelson Rodrigues, e O Mistério de Irma Vap, exemplar do humor nonsense de Charles Ludlam que serve de veículo de atuação para intérpretes com pleno domínio do jogo da comicidade histriônica.
Em Brilho Eterno, encenação apresentada no Teatro Guaíra, Farjalla confirma a disposição em interferir nos textos que monta. Apesar de não ter se debruçado sobre uma peça, e sim sobre um filme – Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry –, a postura dessacralizada em relação às obras de origem se mantém. Tanto que produziu, em parceria com André Magalhães, uma dramaturgia que parte do filme, dialogando com ele, ao invés de “simplesmente” transportá-lo para o palco.
A apropriação criativa de Farjalla se manifesta na concepção visual imponente (mesmo que as contribuições artísticas sejam de profissionais distintos, há um entrosamento com a visão do diretor), na inclusão de referências diversas que ambicionam aproximar o público do espetáculo e na quebra de uma cena ilusionista por meio de procedimentos que sublinham o fato de se estar frente a um acontecimento teatral, como a movimentação do cenário a cargo dos atores e o uso de blusas com o título da montagem e o sobrenome de cada integrante do elenco no verso (figurinos de Farjalla).
Mas a necessidade de fixar uma identidade artística pessoal carece de consistência. Os elementos diferenciais de um espetáculo como Brilho Eterno não parecem decorrer de um estudo verticalizado da obra de base. A inventividade fica mais concentrada no plano da forma – através do investimento numa estética de impacto – e da intrincada estruturação da cena – por meio das implicações temporais na interação dos protagonistas e das intervenções de um coro profano, de reduzido resultado cômico. Há uma menor valorização da questão principal da história: a urgência em apagar as lembranças como modo de apaziguar o sofrimento lancinante e a constatação de que as boas memórias também serão deletadas. A encenação não aproveita o potencial dolorosamente romântico que se poderia extrair do vínculo entre os personagens.
Diante de uma certa frieza no manejo dos conteúdos, o público tende a acessar a montagem a partir das criações visuais, cabendo destacar a integração entre a proposta cenográfica (de Rogério Falcão) – uma espécie de cubo desdobrado em ambientes, com expressivo contraste entre preto e branco – e a iluminação (de Cesar Pivetti) – que “rasga” a cena em tom igualmente neutro, padrão cromático relativizado pela protagonista feminina, que insere cores mais vibrantes. As proposições estéticas se sobrepõem, em algum grau, aos trabalhos dos atores. Reynaldo Gianecchini e Tainá Müller trilham caminhos interpretativos opostos: enquanto ele envereda por desenho de atuação mais estilizado, intencionalmente artificial, buscando, nas entonações, a estranheza, ela aposta em registro mais naturalista, próximo ao cotidiano. Wilson de Santos, Renata Brás, Fábio Ventura e Tom Karabachian demonstram sintonia com a linha do espetáculo.
Com apreciáveis qualidades individuais, Brilho Eterno, porém, é uma montagem em que o desejo de Jorge Farjalla de afirmar sua originalidade não surge amparado por uma leitura aprofundada do filme, lacuna que limita o ansiado voo artístico independente.