Vida e morte do teatro
Emílio de Mello e Fernando Eiras em In On It, encenação de Enrique Diaz em cartaz no Futuros (Foto: Roberto Setton)
A morte é um dos elementos centrais de In On It, encenação atualmente em cartaz no Futuros. Está presente na esfera temática por meio da desestabilização emocional de um personagem confrontado com grave problema de saúde que demora a ser diagnosticado. A questão também desponta na estrutura do texto de Daniel MacIvor – em tradução precisa de Daniele Ávila –, que não “apenas” entrelaça as jornadas de personagens como destaca a construção e a seguida desconstrução da cena através de comentários sobre a realização artística em si. Se por um lado a cena constantemente morre – pelo simples fato de ser irrepetível –, por outro a persistente busca por inéditas ou originais formas de fazer a mantém viva.
Essa espécie de paradoxo, que se encontra na base da prática teatral, pode trazer à lembrança a trajetória de Enrique Diaz como diretor nos espetáculos da Cia. dos Atores, nos quais não havia a necessidade de apresentar ao público encenações convencionalmente finalizadas, cristalizadas, e sim a preservação de um caráter processual e, por isso, pulsante. Uma vibração que transparece numa montagem gestada fora do coletivo como In On It, ainda que não por meio de um intencional aspecto de rascunho. O inacabado existe como assunto, considerando a mencionada ênfase na feitura da cena, mas não como concepção visual. Há, dentro do minimalismo da encenação, um rigor estético que sugere uma produção mais burilada do que com aparência de inconclusa. Cabe chamar atenção para a integração cromática evidenciada na cenografia (de Domingos de Alcântara), nos figurinos (de Luciana Cardoso) e na iluminação (de Maneco Quinderé).
As associações entre In On It e espetáculos da Cia. dos Atores se manifestam na relação sem hierarquia com a dramaturgia escolhida – até em se tratando de um autor “absoluto” como William Shakespeare – e na opção por textos sem linearidade, “caóticos” – a julgar pelos mergulhos na escrita de um autor “maldito” como Oswald de Andrade. Novamente, porém, não se deve perder de vista diferenças importantes. Não há, em In On It, um projeto de “recriação” de uma obra clássica (como em Ensaio.Hamlet) e nem de estabelecimento de um diálogo insubordinado com uma determinada peça (como em O Rei da Vela). Enrique Diaz transporta para a cena as especificidades do texto de MacIvor. Não significa que o olhar lançado sobre essa dramaturgia seja destituído de inventividade, mas a direção não se impõe/sobrepõe à peça.
A dinâmica da direção vem à tona na valorização da alternância de planos contida no texto, de uma espacialidade compacta e, sobretudo, dos trabalhos dos atores. Emílio de Mello e Fernando Eiras revezam-se entre variados personagens e se descolam deles em momentos sinalizados na dramaturgia. Apesar de entrosados na contracena, os atores não aderem a registros equivalentes. Enquanto Mello surge em interpretação mais naturalista e espontânea, menos “visível”, Eiras aposta em composições marcadas, em corpo e voz, que em nenhum instante resvalam na caricatura ou na estilização vazia.
A retomada de In On It 15 anos depois de sua estreia – e exatamente no mesmo palco – é uma prova da sobrevivência do teatro. Essa sobrevivência não se dá através da reprodução congelada de um resultado bem-sucedido. Afinal, não há como reter uma apresentação ou as circunstâncias particulares de um tempo histórico. Essas impossibilidades colocam o artista e o espectador diante da morte. Em contrapartida, a disposição em investir em apropriações singulares de um material já conhecido redimensiona o acontecimento teatral. In On It confirma que o teatro é uma arte interminável, permanentemente viva.
IN ON IT – Texto de Daniel MacIvor. Direção de Enrique Diaz. Com Emílio de Mello e Fernando Eiras. Futuros (R. Dois de Dezembro, 63). De qui. a dom., às 20h. Ingressos: R$ 80,00 e R$ 40,00 (meia-entrada).