A estrutura como desafio
Enrique Diaz apresenta processo adiantado de novo trabalho em que surge como ator (Foto: Annelize Tozetto)
FESTIVAL DE CURITIBA – Depois das experiências de In On It e A Primeira Vista, Enrique Diaz perpetua o elo com a dramaturgia de Daniel MacIvor, agora como ator, por meio de Cine Monstro Versão 1.0, apresentado, no formato de processo (apesar do considerável acabamento), no Festival de Curitiba, que produz o trabalho, juntamente com o Itaú Cultural.
Nesse texto, traduzido por Diaz e Barbara Duvivier, MacIvor traz à tona o inferno familiar, a escuridão ocultada sob uma capa de normalidade. Mais do que isto, o autor destaca uma sensação de inadequação talvez insolúvel. “O que vocês querem? Vingança. Por terem nascido nesse lugar, nesse corpo”, pergunta e afirma, de maneira provocativa, o personagem, em dado momento.
Entretanto, como nas obras anteriores, a construção dramatúrgica se revela tão ou mais importante que o universo temático. O ator é encarregado de transitar entre narração e vivência, desenhar vários personagens e dominar uma estrutura propositadamente dispersa. Enrique Diaz evidencia controle sobre essa proposta. Não perde o foco ao lidar com as diversas interferências do material original, torna vivo o relato, empresta concretude ao texto ao dotá-lo de imagens e inclui o público com habilidade na condução da cena. Cabe fazer uma ressalva apenas em relação à utilização de seu acelerado modo de falar habitual: o ator poderia cuidar mais da dicção.
As imagens projetadas no fundo do palco surgem muitas vezes embaçadas ou imprecisas devido à velocidade com que são dispostas. A opção sugere a evocação inevitavelmente embaralhada dos fatos, o desordenado movimento da memória. As projeções potencializam ainda a impressão de filme inacabado, que serve ao teatro, manifestação eternamente em processo. E o vínculo com o multimídia realça o contraste temporal, tendo em vista que o cinema é uma arte presa ao passado, ao contrário do teatro, atado ao presente.
A cena concebida por Enrique Diaz (que acumula a função de diretor) e Marcio Abreu (que colabora na direção) é composta por poucos elementos cenográficos: um cubo, uma cadeira, copos, um velocípede. O figurino também comprova escolha pela neutralidade. A iluminação de Nadja Naira lança focos sobre Enrique Diaz de diferentes ângulos e inunda o palco de tonalidade marcante (vermelho). A trilha sonora de Lucas Marcier valoriza a tensão crescente, característica do texto.
O crítico viajou a convite da organização do festival