Não há como analisar a carreira de Eva Todor sem buscar uma conexão com o processo de renovação do teatro brasileiro, que se tornou moderno não exatamente a partir da revolucionária montagem de Ziembinski para Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943, e sim da fundação de duas importantes companhias – o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e o Teatro Popular de Arte (TPA) – e da Escola de Arte Dramática (EAD), todas em 1948.
Nascida Eva Fodor, na Hungria, em 1919, e radicada no Brasil desde criança, Eva pertence ao “teatro antigo”, liderado por atores que traziam os personagens ao encontro de suas personalidades. Mas os atores não encarnavam os personagens. Permaneciam, ao contrário, descolados deles. Existe, nesse sentido, um jogo paradoxal de aproximação e afastamento entre os atores da primeira metade do século XX e seus personagens. Eva sobreviveu à transição da cena nacional mantendo seu estilo, conforme fica claro no livro de Angela de Castro Reis – A Tradição Viva em Cena – Eva Todor na Companhia Eva e seus Artistas (1940-1963) – publicado pela editora 7 Letras.
Como o título indica, a autora priorizou um período específico, mesmo que extenso, da carreira de Eva: aquele em que esteve instalada, juntamente com sua companhia, no Teatro Serrador, no Rio de Janeiro, investindo em repertório marcado por comédias ligeiras e melodramas, apropriado a uma atriz especializada em papéis de ingênua, escolhidos por seu marido e empresário Luís Iglesias. Um repertório composto por textos despretensiosos – assinados por autores como Paulo Magalhães, Viriato Correia, Armando Gonzaga, Joracy Carmargo e o próprio Iglesias –, mas com eventuais apostas em autores renomados – George Bernard Shaw, Somerset Maugham.
Além de contextualizar historicamente Eva Todor, o livro proporciona uma análise do peculiar registro interpretativo da atriz – que se notabilizou pelo chamado “gênero Eva”, referente a personagens avoadas e simpáticas, a cargo de uma atriz portadora de timing inconfundível – através de fotos representativas de seus trabalhos na companhia e da célebre chanchada Os Dois Ladrões (1960), de Carlos Manga, na qual estabeleceu impagável contracena com Oscarito.
Eva Todor em Cândida, de Bernard Shaw (Fotógrafo não Identificado / Acervo Cedoc/Funarte)
Eva Todor, de fato, construiu uma trajetória singular, perspectiva evidenciada em outro livro, O Teatro de Minha Vida, de Maria Angela de Jesus, lançado pela Coleção Aplauso da editora Imprensa Oficial. Eva começou no balé aos quatro anos, na Hungria, estimulada pelo pai. Ao desembarcar no Brasil, fortaleceu vínculo com a dança ao ingressar nas aulas de Maria Olenewa no Theatro Municipal. Não demorou a surgir a primeira oportunidade como atriz. Tentou o papel de um menino numa montagem da companhia Dulcina de Morais, com quem trabalharia mais tarde em Senhora da Boca do Lixo, de Jorge Andrade, mas não conseguiu o personagem por não dominar o português.
Graças ao jornalista Mário Nunes foi parar no Teatro Recreio, onde conheceu Luís Iglesias, com quem casou aos 14 anos (ele tinha mais de 30), que virou seu empresário. Fundaram uma companhia, de início batizada de Cia. Luís Iglesias e depois de Eva e seus Artistas, devido ao sucesso incontestável da atriz. Da companhia faziam parte mais de dez atores – entre eles, Elza Gomes, André Villon, Afonso Stuart e Henriette Morineau, com quem viria a contracenar na encenação de Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa, de Mário Brasini. Eva ainda acumulou experiência com os portugueses Esther Leão e Eduardo Vieira. Viajou com a companhia para Portugal, onde chegou a ficar dois anos e meio numa das temporadas, e para a África, onde peregrinou por cerca de 50 cidades.
Após a morte de Luís Iglesias, com quem esteve casada durante 28 anos, Eva se uniu a Paulo Nolding durante mais 25 anos. Se Iglesias era um empresário nato, Nolding largou a engenharia para cuidar da carreira de Eva. E aconselhou-a a abrir mão das personagens ingênuas. Foi, então, que passou a se dedicar a um repertório também formado por Senhora da Boca do Lixo e Em Família, de Oduvaldo Vianna Filho. Interpretou uma personagem autoritária em O Efeito dos Raios Gama sobre as Margaridas do Campo, de Paul Zindel, sob a direção de Sergio Britto e, posteriormente, Barbara Heliodora.
Mas nunca perdeu de vista seu terreno mais confortável, realizando feitos notáveis, como em Lily, Lily, de J. P. Grédy e Pierre Barillet, na qual se encarregava de duas personagens, e De Olho na Amélia, de Georges Feydeau, que lhe rendeu o Prêmio Molière. Abalada pelo falecimento de Nolding, no final da década de 80, Eva deu partida à temporada de Como se tornar uma Supermãe em Dez Lições, de Paul Fuks, sem saber. Para não deixá-la apreensiva, o diretor Wolf Maya não contou que se tratava da noite de estreia. E reapareceu em A Pequena Mártir de Cristo Rei, de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa.
Com carreira firmada no teatro, Eva não rumou logo para a televisão. Fez o programa As aventuras de Eva. Participou com sucesso da novela Locomotivas, como Kiki Blanche. Daí para frente, intensificou o ritmo na TV, conciliando com o teatro. Integrou os elencos de poucos filmes – fora Os Dois Ladrões, Pão, Amor e… Totobola (1964), de Henrique Campos, e mais recentemente, Meu nome não é Johnny (2008), de Mauro Lima.