Cena de Solo con Esto, montagem da Cia. Altoteatro, da Bolívia (Foto: Milton Dória)
O Festival Internacional de Londrina (Filo), que acaba de encerrar a sua 45ª edição, é uma empreitada peculiar em relação a outros festivais de teatro brasileiros. Em primeiro lugar, pela sintonia de Nitis Jacon – fundadora do Filo no turbulento ano de 1968 e hoje presidente de honra do festival, dirigido por Luiz Bertipaglia – com a cena internacional, especialmente com o Odin Teatret, companhia conduzida por Eugenio Barba, que já desembarcou em Londrina com espetáculos como Sonho de Andersen e Salt, monólogo de Roberta Carreri.
Além disso, o Filo transcende a esfera da apresentação de montagens nacionais e estrangeiras por meio dos Projetos de Maio, trabalhos artístico-sociais realizados com deficientes físicos (cegos, surdos), presidiários e pessoas da terceira idade. Talvez a iniciativa mais longeva nesse sentido seja a da Cia. de Theatro Fase 3, desenvolvida por João Henrique Bernardi com um grupo de idosos. Nessa última edição, Bernardi apresentou o solo Yolanda Calaboca e em edições anteriores o público já assistiu a trabalhos como Nos Quintais de Quintana, De todas as Mulheres que eu fui essa é a que eu mais Amo e, possivelmente o mais impactante deles, A Última Carta de Amor do Século XX.
Não se pode perder de vista o espaço aberto pelo festival às produções locais. Polo cultural efervescente nas décadas de 80 e 90, Londrina já teve grupos renomados como o Proteu (dirigido por Nitis Jacon) e o Delta. Foi na cidade do interior do Paraná que despontou a Cia. Armazém, capitaneada por Paulo de Moraes, radicada no Rio de Janeiro desde meados dos anos 90. Hoje, companhias londrinenses continuam se apresentando no Filo – ao longo do tempo, a Cia. Boca de Baco mostrou trabalhos como Balada de um Poema, Último Inverno e Navalha na Carne, e o Ballet de Londrina também costuma ser lembrado na grade. Festival caloroso, o Filo costuma ser emoldurado pelas noites no Cabaré, ponto de encontro que recebe shows de artistas renomados (como Gal Costa, esse ano).
Carmen Mattos em Yolanda Calaboca: trabalho continuado sob a condução de João Henrique Bernardi (Foto: Milton Dória)
Nessa 45ª edição, a programação nacional se destacou através de espetáculos representativos de companhias como a Quatroloscinco (Outro Lado), Balagan (Recusa), Senhas (Circo Negro), Latão (Sociedade Mortuária – Uma Peça Camponesa), Club Noir (Peep Classic Ésquilo), Sobrevento (São Manuel Bueno, Mártir), Pia Fraus (Bichos do Brasil e Filhotes da Amazônia), Lume (Os Bem-Intencionados), Massa (Capivara na Luz Trava), Magiluth (Viúva porém Honesta) e Cemitério de Automóveis (Mulheres). Como se pode perceber, trata-se de um festival que valoriza o teatro de grupo, ainda que iniciativas de atores não sejam desprezadas, caso da inclusão de A Casa Amarela, monólogo de Gero Camillo, na programação. E as atrações internacionais, mesmo que em plano mais discreto, também marcaram presença, a julgar pelo combativo Solo com Esto, da Cia. Altoteatro, da Bolívia, Matéria Prima, do La Tristura, da Espanha, e Viagem a Izu, de François Kahn, da França, que, inclusive, será apresentado entre 27 e 30 de setembro no jardim do Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro.
Desde o início dos anos 2000, o Filo recebeu muitos espetáculos de impacto. O Theatre des Bouffes du Nord, de Peter Brook, apostou na simplicidade em Fragments, reunião de peças curtas de Samuel Beckett. O Volksbühne trouxe A Luta do Negro e dos Cães, de Bernard-Marie Koltès. A Compagnia Laboratorio di Pontedera, de Roberto Bacci, surpreendeu com uma apropriação de Hamlet intitulada Amleto. O teatro argentino foi bem representado tanto pela Cia. Timbre 4 (com La Omisión de la Família Coleman) quanto por montagens de Daniel Veronese (La Noche canta sus Canciones e a excepcional La Forma que se Despliega). A Cia. do Chapitô, de Portugal, encantou o público com sua versão de Dom Quixote, assim como o grupo peruano Hugo y Inès, cujos integrantes propõem formas a partir de recortes de seus corpos em Cuentos Pequeños. A Cia. Philippe Genty foi representada por La Fin des Terres. Entre as maiores surpresas, uma versão violenta de Bambi, a cargo do grupo inglês Green Ginger.
A qualidade na escolha dos espetáculos brasileiros não foi menor. Como seria de se esperar, a Cia. Armazém retornou seguidas vezes ao Filo com trabalhos como Pessoas Invisíveis, Inveja dos Anjos e Toda Nudez será Castigada. A Tato Criação Cênica, de Curitiba, trouxe os singelos Tropeço e E se… Da mesma cidade, a Companhia Brasileira de Teatro, dirigida por Marcio Abreu, despontou com Volta ao Dia… e o Ateliê de Criação Teatral, projeto de Luiz Melo, com Cãocoisa e a Coisa Homem. De Blumenau, uma companhia com uma pesquisa consistente relacionada ao treinamento de Jerzy Grotowski: a Carona, que surpreendeu com Os Camaradas. A Casa Laboratório, conduzida por Cacá Carvalho como filial brasileira da Fondazione Pontedera Teatro, esteve com Os Figurantes. O Lume desembarcou com Café com Queijo e Shi-Zen, 7 Cuias. O Espanca! fez sucesso com Por Elise. A Amok deu provas de seu rigor com Cartas de Rodez e Macbeth. A Cia. dos Atores colheu elogios pela desconstrução realizada em Ensaio.Hamlet. A Cia. Teatro Autônomo enveredou pelo minimalismo das interpretações em Deve haver algum Sentido em mim que Basta. O Grupo XIX incluiu o público na encenação de Hygiene, procedimento também empregado, ainda que de modo diverso, por Dani Lima em Aquilo de que somos Feitos. E a Cia. Livre deu boas provas de suas instigantes investigações em Arena Conta Danton e VemVai – O Caminho dos Mortos.