O Controlador de Tráfego Aéreo, montagem de Moacir Chaves (Foto: Guga Melgar)
A relação dos melhores espetáculos de 2013 evidencia algumas tendências. A mais evidente talvez seja a relevância do gênero musical em portes variados com resultados cada vez mais expressivos no campo da interpretação – Adriana Garambone, Laila Garin e Ana Carbatti nos espetáculos destacados abaixo – respectivamente, Como Vencer na Vida sem Fazer Força, Elis, a Musical e Clementina, Cadê Você? –, mas também Emilio Dantas em sua encarnação de Cazuza em Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz.
O texto brasileiro desponta com alguma força, a julgar pelos resultados alcançados por Rodrigo Portella (Antes da Chuva) e Jô Bilac (Conselho de Classe e Fluxorama). Outros exemplos podem ser mencionados: Daniele Avila Small (Garras Curvas e um Canto Sedutor), Pedro Brício (A Outra Cidade), Diogo Liberano (Maravilhoso) e Rodrigo Nogueira (O Teatro é uma Mulher). Ainda no campo da dramaturgia há interessantes trabalhos de transposição de material literário para o palco – casos de Maria Miss, a partir de João Guimarães Rosa, e As Horas entre Nós, extraído de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Já Moacir Chaves concebeu a dramaturgia de O Controlador de Tráfego Aéreo a partir de colagem heterogênea.
A cena do Rio de Janeiro revisitou, mesmo que em quantidade não muito expressiva, o material clássico, valendo realçar Quem tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee. Outras encenações lançaram olhares inquietos sobre o clássico, como Dias Felizes: Suíte em 9 Movimentos, abordagem provocante do original de Samuel Beckett, O Patrão Cordial, adaptação de O Senhor Puntilla e seu Criado Matti, de Bertolt Brecht, para o contexto brasileiro, e Peep Classic Ésquilo, ousado projeto de Roberto Alvim, pautado por leituras condensadas e personalizadas das peças do tragediógrafo grego.
Além das mencionadas atuações em musicais, cabe realçar tantas outras que marcaram a cena carioca em 2013: Rita Elmôr (Vestido de Noiva), Rita Clemente (Dias Felizes: Suíte em 9 Movimentos e Fluxorama), Cristina Flores, Leonardo Corajo (As Horas entre Nós), André Dias (A Arte da Comédia), Leonardo Hinckel (O Controlador de Tráfego Aéreo), Daniel Dantas, Erom Cordeiro (Quem tem Medo de Virginia Woolf?), Marcelo Olinto, Cesar Augusto (Conselho de Classe), Marieta Severo, Marcio Vito, Kelzy Ecard (Incêndios), Enrique Diaz (Cine Monstro), Camilla Amado, Clarice Niskier (O Lugar Escuro), Gustavo Falcão (Garagem), Alexandre Lino, Katia Camello (O Pastor) e Ana Kfouri (Moi Lui).
Entre os trabalhos de direção mais surpreendentes estão os de Inez Viana, que transportou para o palco o caudaloso Nem mesmo todo o Oceano, de Alcione Araújo, sem praticamente se valer de objetos cenográficos, e Bel Garcia e Susana Ribeiro, que revelaram notável entrosamento com a dramaturgia em Conselho de Classe, sem perder de vista o citado trabalho de Moacir Chaves em O Controlador de Tráfego Aéreo. Alguns espetáculos resultam de afinado trabalho de grupo – casos de Conselho de Classe – da Cia. dos Atores, ainda que parte do elenco seja de fora do grupo –, O Controlador de Tráfego Aéreo – da Alfândega 88 –, O Patrão Cordial – da Cia. do Latão – e As Horas entre Nós – da Cia. Dragão Voador.
Em relação ao campo da cenografia, Joelson Gusson primou pelo emprego da cor em As Horas entre Nós; Bia Junqueira projetou, em Vermelho Amargo, uma superfície que, desvelada no decorrer da encenação, revelou um material que remeteu ao caráter lúdico da infância, perspectiva tensionada na escrita do autor, Bartolomeu Campos de Queirós, de travo amargo; Aurora dos Campos reconstituiu a ambientação de uma quadra e seus arredores de um colégio decadente em Conselho de Classe; Rui Cortez investiu, em Moi Lui, em espacialidade composta por montes de areia dispostos nos cantos de chão coberto de lona; e Clívia Cohen extraiu teatralidade da simplicidade em Clementina, Cadê Você?.
Na iluminação sobressaíram as criações de Tomás Ribas que, em Moi Lui, concebeu teto de luz que propositadamente interditou ao olhar determinadas imagens; Maneco Quinderé, cuja luz adquiriu autonomia em Jim; e Renato Machado, em Vestido de Noiva e Clementina, Cadê Você? No que se refere aos figurinos, Thanara Schönardie realizou excelente trabalho em A Importância de ser Perfeito a partir da sobreposição de tecidos diversos em tons neutros (e com ótimo aproveitamento da cor), resultado valorizado pela singularidade dos adereços (colares, chapéus, bolsas); Rita Murtinho sintetizou a natureza artesanal do projeto de Emily; e Marília Carneiro reconstituiu com precisão, em Elis, a Musical, a época da cantora.
10 ESPETÁCULOS:
ANTES DA CHUVA – Na encenação de seu próprio texto – em que destaca mais o ato de contar do que efetivamente um determinado enredo –, Rodrigo Portella investe numa cena sintética, praticamente destituída de elementos, privilegiando o jogo interpretativo dos atores.
CLEMENTINA, CADÊ VOCÊ? – Musical de porte reduzido, dirigido por Duda Maia, com soluções cênicas simples e expressivas na cenografia (de Clívia Cohen) e na iluminação (de Renato Machado). O elenco se revela um conjunto harmônico e Ana Carbatti interpreta com sensibilidade a personagem-título.
COMO VENCER NA VIDA SEM FAZER FORÇA – A dupla Charles Möeller/Claudio Botelho comprova domínio das ferramentas do teatro musical em espetáculo que conta com elenco afinado, com destaque para Adriana Garambone, que exibe suas maiores qualidades de comediante em composição irrepreensível.
CONSELHO DE CLASSE – As diretoras Bel Garcia e Suzana Ribeiro demonstram sintonia com o ótimo texto de Jô Bilac e acertam ao fazer com que as personagens femininas sejam interpretadas por atores sem qualquer sinal de caricatura. Destaque para o cenário realista de Aurora dos Campos, que aproveita o espaço para além dos limites da cena, e a iluminação de Maneco Quinderé, que individualiza os personagens do texto de Bilac.
O CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO – Na encenação é possível perceber um movimento de abertura: Moacir Chaves parte da figura de Silvano Monteiro (o controlador de tráfego do título, que abandonou a Aeronáutica e abraçou a carreira artística), mas logo retira o foco dele – sem, contudo, perdê-lo de vista – ao propor articulações com textos diversos, literários e teatrais. Ótima iluminação de Aurélio De Simoni.
DIAS FELIZES: SUÍTE EM 9 MOVIMENTOS – Rita Clemente assina a concepção geral dessa apropriação da peça de Samuel Beckett em que lança novas propostas sobre o texto clássico sem perder de vista a tradição. Exemplos: o figurino, que limita sem anular sua movimentação, e a projeção, que evoca a situação de Winnie, cada vez mais fisicamente imobilizada.
ELIS, A MUSICAL – A minuciosa interpretação de Laila Garin, as coreografias de Alonso Barros e os figurinos de Marilia Carneiro despontam como destaques desse bem-sucedido espetáculo biográfico dirigido por Dennis Carvalho, que equilibra a vibração do musical com passagens intimistas.
AS HORAS ENTRE NÓS – A montagem da Cia. Dragão Voador transporta Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, para o contexto brasileiro e evidencia criações cuidadosas – em especial, a cenografia de Joelson Gusson e a iluminação de Paulo César Medeiros. No elenco, destaque para Cristina Flores.
O PATRÃO CORDIAL – À frente da Cia. do Latão, Sergio de Carvalho transportou O Senhor Puntilla e seu Criado Matti, de Bertolt Brecht, para o Brasil da década de 1970. A operação dramatúrgica deu certo em encenação valorizada por elenco afinado.
QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF? – O trabalho do elenco (principalmente dos atores – Daniel Dantas e Erom Cordeiro) desponta como a grande força dessa nova montagem, a cargo de Victor Garcia Peralta, da célebre peça de Edward Albee.