Instigantes códigos cênicos
Vera Novello e Cândido Damm em Vianninha Conta o Último Combatente do Homem Comum, em cartaz no Teatro Ginástico (Foto: Claudia Ribeiro)
O espetáculo Vianninha Conta o Último Combatente do Homem Comum realça algumas vertentes destacadas na trajetória do encenador Aderbal Freire-Filho: a conexão com a dramaturgia de Oduvaldo Vianna Filho (autor visitado anteriormente por Aderbal por meio das montagens de Moço em Estado de Sítio e Mão na Luva), a proximidade com o texto brasileiro e a problematização da estrutura realista. No que se refere a este último aspecto, Aderbal volta a evidenciar os mecanismos de construção da cena ao invés de procurar apagá-los com o intuito de transmitir ao público uma sensação de organicidade.
Essa evidenciação da construção pode ser percebida através do modo como os atores eventualmente manipulam o cenário de Fernando Mello da Costa – num determinado momento, as cadeiras são carregadas como escudos, sublinhando as tomadas de posição de cada personagem, bem como os seus recursos de defesa; da operação realizada por Tato Taborda sobre conhecida música – proposta que coloca a plateia diante de uma espessura formada entre a repetição da música e a fala de um dos filhos em relação à sua impotência frente à situação dos pais; e da inserção de um palhaço – que contrasta com a austeridade da cena e observa a circunstância lançada pelo texto (a separação forçada de um casal idoso a partir do instante em que não tem mais como arcar com as despesas da casa onde mora e passa a depender dos filhos) pela via do humor cruel.
Entre essas interessantes proposições, a mais questionável é a inclusão do palhaço (mais pela própria ideia do que pela execução do ator Kadu Garcia, que, oportunamente, também interpreta os personagens menores), considerando que se torna uma figura um tanto impositiva. Em todo caso, ao chamar atenção para a construção da cena, Aderbal Freire-Filho tende a fazer com que o espectador aprecie a construção da peça de Vianninha, que empregou alguns procedimentos como apresentar em paralelo as jornadas dos pais separados – ele morando com a filha em São Paulo, ela com o filho no Rio de Janeiro. E a exposição da construção da cena parece estar ligada a uma homenagem de Aderbal ao Teatro de Arena (que tinha em Vianninha um dos seus principais integrantes), explicitada por meio do título (em substituição ao original, Em Família) que remete aos espetáculos Arena Conta…, marcados pela prática do Sistema Coringa formulado por Augusto Boal.
Conforme já dito, a cenografia tensiona a cena realista. Ao mesmo tempo em que sugere os espaços onde se desenrolam a ação – através das janelas (as da casa de Miguel Pereira, no início, e as envelhecidas dos apartamentos), elemento que habilmente sintetiza a mudança no padrão de moradia sofrida pelo casal idoso –, o cenário adquire caráter simbólico que transcende a mera localização – algo detectado com a grande mesa, as mencionadas cadeiras e os diversos objetos dispostos nas laterais do palco como entulhos. Os figurinos de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo (Espetacular Produções & Artes) priorizam a neutralidade do preto, do branco e das gradações de cinza, complementando o visual sóbrio da montagem. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros é aberta no descortinar da realidade familiar e das verdades de cada um, expostas à medida em que as máscaras de convivência caem, e mais calorosa nas passagens que dimensionam a solidão do casal idoso. No elenco, Ana Velloso, Cândido Damm, Gillray Coutinho, Isio Ghelman, Vera Novello e, em especial, Ana Barroso demonstram sintonia com a proposta da encenação e valorizam os conflitos de seus personagens.
Em Vianninha Conta o Último Combatente do Homem Comum, Aderbal Freire-Filho estimula o espectador a decodificar códigos cênicos, postura que suscita curiosidade em relação à montagem.