O Homossexual ou a Dificuldade de se Expressar, montagem integrante da Ocupação Copi: um dos destaques do ano (Foto: Caíque Cunha)
Ainda que a cena do Rio de Janeiro já tenha sido mais diversificada em décadas passadas, os melhores espetáculos de 2015 formam um panorama variado, reunindo trabalhos de companhias marcados pela continuidade de pesquisa – como a Brasileira, conduzida por Marcio Abreu, a Amok, de Ana Teixeira e Stephane Brodt, e a Atores de Laura, capitaneada por Daniel Herz – e musicais de portes distintos – como Kiss me Kate, Kate – O Beijo da Megera, que representa o prolongamento da parceria entre Charles Möeller e Claudio Botelho, e Bilac vê Estrelas.
Além dos dez espetáculos destacados, outros trabalhos merecem menções isoladas. É preciso elogiar as interpretações de Camilla Amado e Mario Borges, em Electra, Pedro Cardoso e Graziella Moretto em O Homem Primitivo, Suzana Faini, em Família Lyons, Laila Garin, em Beijo no Asfalto – O Musical, Arieta Corrêa em Tribos, Cristiana Pompeo, em Politicamente Incorretos, Elisa Pinheiro, em Bonitinha mas Ordinária, Debora Lamm, em Infância, Tiros e Plumas, Marcelo Olinto, em Sexo Frágil, Bruce Gomlevsky, em Uma Ilíada, Yuri Ribeiro, em Hamlet ou Morte, e dos integrantes da Cia. Marginal (Geandra Nobre, Jaqueline Andrade, Phellipe Azevedo, Rodrigo Souza e Wallace Lino), em Eles não usam Tênis Naique; a cenografia de Bia Junqueira, em Santa e Meu Saba, Aurora dos Campos, em Guerrilheiras – Ou para a Terra não há Desaparecidos, e José Dias, em Eugênia; a iluminação de Renato Machado, em Madame Bovary, Aurélio de Simoni, em Meu Saba, Maneco Quinderé, em Um Pai – Puzzle, Tomás Ribas, em Santa, e Elisa Tandeta, em Uma Ilíada; as canções originais de Felipe Vidal e Luciano Moreira, em Contra o Vento (Um Musicaos), a trilha sonora de Antonio Saraiva, em Madame Bovary, a direção musical e execução da trilha de Beto Lemos, em Eugênia, e a versão para o português de Artur Xexéo das letras de Ou Tudo ou Nada.
Eventuais montagens internacionais sobressaíram ao longo do ano – casos de O Terno, encenação de Peter Brook a partir de conto de Can Themba, e do Festival Ionesco, composto pelos espetáculos Rinoceronte e Ionesco Suíte, ambos a cargo de Emmanuel Demacy-Mota, da companhia Théâtre de la Ville de Paris. Entre as iniciativas paralelas ligadas a teatro cabe chamar atenção para duas exposições – uma em homenagem ao dramaturgo e diretor Augusto Boal, com curadoria de Helio Eichbauer, e outra em comemoração aos 200 anos de nascimento do comediógrafo Martins Pena, com curadoria de Luiz Costa-Lima Neto, ainda em exibição. Entre os lançamentos literários, vale lembrar de Mimeses Performativa: A Margem de Invenção Possível, de Luiz Fernando Ramos, O Crítico Ignorante, de Daniele Ávila Small, e da coletânea de críticas de Sábato Magaldi organizada por Edla Van Steen. Em meio aos festivais de teatro realizados pelo país, a MITSP (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo) se impôs pelo rigor da seleção.
A rotatividade dos espetáculos no Rio de Janeiro parece ter se intensificado em 2015. O público se deparou com uma grande quantidade de encenações cumprindo temporadas reduzidas em poucos espaços. Determinados teatros mantêm programação destinada à inquietação artística – Espaço Sesc, Centro Cultural Banco do Brasil, Oi Futuro/Flamengo e, em certa medida, teatros Poeira e Poeirinha. Em contrapartida, há os que demonstram filiação à produção de mercado – Oi Casa Grande, Teatro Bradesco as três salas do Teatro do Leblon, as quatro do Shopping da Gávea. A limitação de espaços é evidente. Se por um lado a cidade ganha alguns (os dois dedicados à atriz Nathalia Timberg, o Serrador de volta), por outro perde dois (no Shopping Fashion Mall). Existem salas espalhadas pelo Rio de Janeiro que poderiam ser resgatadas para a atividade teatral. A Zona Norte, especialmente, permanece como área desprestigiada, segregada.
ESPETÁCULOS:
BILAC VÊ ESTRELAS – As músicas inéditas de Nei Lopes valorizaram o musical assinado por João Fonseca a partir de livro de Ruy Castro, adaptado por Heloisa Seixas e Julia Romeu. André Dias se destacou como o poeta Olavo Bilac e o bom acabamento do espetáculo ficou estampado nos figurinos de Carol Lobato e na cenografia sintética de Nello Marrese.
CARANGUEJO OVERDRIVE – Pedro Kosovski abordou um Rio de Janeiro em transformação, mas que repete uma mesma dinâmica de funcionamento, na original dramaturgia desse espetáculo de Marco André Nunes, à frente d’Aquela Cia. O resultado ganhou com atuações surpreendentes de Carolina Virgüez e Matheus Macena, a inventiva direção musical de Felipe Storino e as imagens poderosas.
O HOMOSSEXUAL OU A DIFICULDADE DE SE EXPRESSAR – Integrante da Ocupação Copi, a montagem de Fabiano de Freitas se revelou uma reunião de acertos, a julgar pela interpretação de Renato Carrera, bastante preciso no tempo de humor, pelo cenário de Pedro Paulo de Souza, composto por tubos suspensos que delimitaram a separação entre espaço externo e interno, pelos figurinos de Antônio Guedes, priorizando cores fechadas, e pela iluminação de Renato Machado.
KISS ME, KATE – O BEIJO DA MEGERA – A dupla Charles Möeller/Claudio Botelho confirmou o padrão de excelência nesse divertido musical de Cole Porter que evoca A Megera Domada, de William Shakespeare. O espetáculo contou com figurinos caprichados de Carol Lobato e o entrosamento dos atores principais, José Mayer e Alessandra Verney.
KRUM – A encenação de Marcio Abreu para o texto de Hanoch Levin evidenciou integração entre as diversas criações, especialmente no que se refere à trilha e aos efeitos sonoros de Felipe Storino, que suscitaram tensão e à iluminação de Nadja Naira, que valorizou o sentido de ameaça. Também cabe destacar o cenário de Fernando Marés, cada vez mais poluído à medida que o espetáculo avança, e a direção de movimento de Márcia Rubin.
UM PAI (PUZZLE) – Ana Beatriz Nogueira interpretou com propriedade Sibylle Lacan, filha do famoso psicanalista, em monólogo austero assinado por Vera Holtz e Guilherme Leme Garcia, que comprovaram conexão com as artes plásticas por meio da implantação de sólido conceito estético.
O PENA CARIOCA – Bem-sucedida montagem da Cia. Atores de Laura, a cargo de Daniel Herz, a partir de três textos de Martins Pena marcando os 200 anos de nascimento do comediógrafo. Houve uma oportuna complementação entre cenário (de Fernando Mello da Costa) e figurinos (de Antonio Guedes). No elenco sobressaiu o domínio de Ana Paula Secco no terreno do humor.
PROJETO BRASIL – A encenação de Marcio Abreu, diretor da Companhia Brasileira de Teatro, afirmou um posicionamento em relação a questões emergenciais do mundo contemporâneo. Contou com ótima atuação de Rodrigo Bolzan e apreciável síntese na cenografia de Fernando Marés. A iluminação de Nadja Naira e Beto Bruel merece menção.
SALINA (A ÚLTIMA VÉRTEBRA) – Ana Teixeira e Stephane Brodt seguiram investindo em cena ritualística, elemento comum aos espetáculos da Companhia Amok Teatro, agora na montagem de tragédia de Laurent Gaudé. No elenco irregular, destaque para a presença contundente de Tatiana Tibúrcio. Os figurinos, dos próprios diretores, também primaram pela excelência.
A SANTA JOANA DOS MATADOUROS – Marina Vianna e Diogo Liberano realizaram montagem que realçou os principais procedimentos do teatro de Bertolt Brecht. A direção de arte de Bia Junqueira e a iluminação de Paulo César Medeiros se impuseram como criações determinantes dentro do espetáculo.