Ana Marlene em Egoísta, montagem de Juracy de Oliveira em cartaz no Teatro 2 do Sesc Tijuca até domingo (Foto: Ana Raquel)
Encenação dirigida por Juracy de Oliveira, Egoísta transita entre o mascaramento e a transparência. Desde o início fica claro que não se trata de uma história ficcional, e sim da apresentação de uma jornada real, “documentada” no texto de Sara Síntique – a jornada de Josefa Feitosa, que, após décadas de dedicação à família e ao trabalho assistencial no sistema carcerário, proclama a própria independência. Com mais de 50 anos, ela contraria o comportamento social esperado que frequentemente aprisiona as mulheres numa rotina pré-estabelecida e decide se priorizar, saindo sozinha em viagem para desbravar o mundo.
Em cena, Ana Marlene interpreta Josefa. Por um lado, é possível perceber um desejo de diminuição ou até de supressão da distância entre atriz e personagem a partir de prováveis afinidades temática e geracional. Ana Marlene descortina a trajetória de Josefa como se fosse a sua. Em alguns instantes, aproxima-se da plateia, dirigindo-se aos espectadores, o que potencializa o caráter de depoimento pessoal.
Por outro lado, as perucas usadas pela atriz sinalizam composição de personagem. Há um momento impactante na encenação: aquele em que a atriz, silenciosa e diante do espelho, retira a peruca, a maquiagem e o figurino num breve desnudamento. Logo em seguida, coloca peruca diversa. Diferentemente da primeira, mais realista, a segunda peruca, azul, é mais fantasiosa e exuberante, mas refletindo Josefa, que, em determinada fase, pintou o cabelo dessa cor.
Ana Marlene demonstra sintonia com a informalidade da proposta. No entanto, não domina plenamente o registro de interpretação invisível, o ocultamento da construção da personagem. A linearidade atravessa sua atuação, condicionada, pelo menos em parte, por uma dramaturgia uniformizada no tom de relato. Apesar disso, Ana Marlene imprime um à-vontade que contagia a plateia, com a qual se relaciona sem interferências nem obstáculos. Próxima do público, a atriz não envereda por uma interação direta e apelativa.
Juracy de Oliveira concentra evidentemente a montagem na presença de Ana Marlene, mas aborda questões na pauta do dia (o etarismo, as conquistas da mulher negra), como fez em trabalhos anteriores, caso de 12 Pessoas com Raiva. Também lança proposições no espaço reduzido do Teatro 2 do Sesc Tijuca. No palco há poucos elementos cênicos, que, porém, geram certa estranheza em decorrência do afastamento em relação a uma perspectiva prática/utilitária, a exemplo da argola suspensa e do design da cadeira móvel (cenário de Li Coelho e Cris Rodrigues). A iluminação de Aline Rodrigues oscila entre a contenção destinada às passagens de privação emocional e física da personagem e a luz aberta para a plateia.
Mesmo com eventuais ponderações acerca do resultado, Egoísta proporciona o contato com o trabalho de Ana Marlene, atriz com carreira longeva, e suscita articulações instigantes entre os procedimentos de representação e revelação.
EGOÍSTA – Texto de Sara Síntique. Direção de Juracy de Oliveira. Com Ana Marlene. Teatro 2 do Sesc Tijuca (R. Barão de Mesquita, 539). De qua. a sáb., às 19h. Domingo, às 18h. Ingressos: R$ 30,00, R$ 15,00 (meia-entrada) e R$ 7,50 (credencial plena Sesc). Até domingo.
Emílio de Mello e Fernando Eiras em In On It, encenação de Enrique Diaz em cartaz no Futuros (Foto: Roberto Setton)
A morte é um dos elementos centrais de In On It, encenação atualmente em cartaz no Futuros. Está presente na esfera temática por meio da desestabilização emocional de um personagem confrontado com grave problema de saúde que demora a ser diagnosticado. A questão também desponta na estrutura do texto de Daniel MacIvor – em tradução precisa de Daniele Ávila –, que não “apenas” entrelaça as jornadas de personagens como destaca a construção e a seguida desconstrução da cena através de comentários sobre a realização artística em si. Se por um lado a cena constantemente morre – pelo simples fato de ser irrepetível –, por outro a persistente busca por inéditas ou originais formas de fazer a mantém viva.
Essa espécie de paradoxo, que se encontra na base da prática teatral, pode trazer à lembrança a trajetória de Enrique Diaz como diretor nos espetáculos da Cia. dos Atores, nos quais não havia a necessidade de apresentar ao público encenações convencionalmente finalizadas, cristalizadas, e sim a preservação de um caráter processual e, por isso, pulsante. Uma vibração que transparece numa montagem gestada fora do coletivo como In On It, ainda que não por meio de um intencional aspecto de rascunho. O inacabado existe como assunto, considerando a mencionada ênfase na feitura da cena, mas não como concepção visual. Há, dentro do minimalismo da encenação, um rigor estético que sugere uma produção mais burilada do que com aparência de inconclusa. Cabe chamar atenção para a integração cromática evidenciada na cenografia (de Domingos de Alcântara), nos figurinos (de Luciana Cardoso) e na iluminação (de Maneco Quinderé).
As associações entre In On It e espetáculos da Cia. dos Atores se manifestam na relação sem hierarquia com a dramaturgia escolhida – até em se tratando de um autor “absoluto” como William Shakespeare – e na opção por textos sem linearidade, “caóticos” – a julgar pelos mergulhos na escrita de um autor “maldito” como Oswald de Andrade. Novamente, porém, não se deve perder de vista diferenças importantes. Não há, em In On It, um projeto de “recriação” de uma obra clássica (como em Ensaio.Hamlet) e nem de estabelecimento de um diálogo insubordinado com uma determinada peça (como em O Rei da Vela). Enrique Diaz transporta para a cena as especificidades do texto de MacIvor. Não significa que o olhar lançado sobre essa dramaturgia seja destituído de inventividade, mas a direção não se impõe/sobrepõe à peça.
A dinâmica da direção vem à tona na valorização da alternância de planos contida no texto, de uma espacialidade compacta e, sobretudo, dos trabalhos dos atores. Emílio de Mello e Fernando Eiras revezam-se entre variados personagens e se descolam deles em momentos sinalizados na dramaturgia. Apesar de entrosados na contracena, os atores não aderem a registros equivalentes. Enquanto Mello surge em interpretação mais naturalista e espontânea, menos “visível”, Eiras aposta em composições marcadas, em corpo e voz, que em nenhum instante resvalam na caricatura ou na estilização vazia.
A retomada de In On It 15 anos depois de sua estreia – e exatamente no mesmo palco – é uma prova da sobrevivência do teatro. Essa sobrevivência não se dá através da reprodução congelada de um resultado bem-sucedido. Afinal, não há como reter uma apresentação ou as circunstâncias particulares de um tempo histórico. Essas impossibilidades colocam o artista e o espectador diante da morte. Em contrapartida, a disposição em investir em apropriações singulares de um material já conhecido redimensiona o acontecimento teatral. In On It confirma que o teatro é uma arte interminável, permanentemente viva.
IN ON IT – Texto de Daniel MacIvor. Direção de Enrique Diaz. Com Emílio de Mello e Fernando Eiras. Futuros (R. Dois de Dezembro, 63). De qui. a dom., às 20h. Ingressos: R$ 80,00 e R$ 40,00 (meia-entrada).
Othon Bastos relata sua trajetória profissional em montagem atualmente em cartaz no Teatro Vannucci (Foto: Beti Niemeyer)
O caráter de homenagem define uma realização como a de Não me Entrego, Não!. Uma celebração a Othon Bastos, pela importância de sua trajetória em variados meios artísticos e pelo fato de se manter, aos 91 anos, em plena atividade numa época como a atual, em que veteranos enfrentam dificuldade em encontrar oportunidades de trabalho. Não por acaso, o espetáculo, em cartaz no Teatro Vannucci, vem gerando manifestações emocionadas.
Othon Bastos traça, com informalidade, uma panorâmica de seu percurso, desde a infância – quando chegou a ser desaconselhado por uma professora a seguir caminho artístico – até a consagração profissional – evidenciada em parcerias e atuações no cinema (em Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, São Bernardo, de Leon Hirszman, e Capitu, de Paulo César Saraceni) e no teatro (a relevância de Paschoal Carlos Magno e seu Teatro Duse, o reportório de peças encenado com a esposa, a atriz Martha Overbeck, a montagem de O Jardim das Cerejeiras no Teatro dos 4). Nesse painel, atravessado pelo esforço em se distanciar de determinados estereótipos (como o do cangaceiro, após a aclamação em Deus e o Diabo…), os feitos na televisão não são destacados.
Responsável pela dramaturgia e pela direção, Flavio Marinho não impõe interferências em termos de concepção cênica. Deixa o palco livre para Othon Bastos relatar sua jornada. Mesmo com uma marcação concentrada no proscênio, Othon não se engessa. Esbanja energia, perceptível na narração espontânea e desenvolta, no corpo em permanente movimento e, em especial, na voz firme e contundente.
Acompanhando Othon, Juliana Medella auxilia o ator em eventuais lapsos de memória. A opção de assumir uma presença que remete ao antigo ponto – profissional que, contudo, não ficava em cena, e sim numa espécie de fosso localizado no palco, às vistas dos atores, mas não do público – se mostra acertada. Na noite em que o espetáculo foi conferido, Juliana intercedeu um pouco demais na fala de Othon, aparentemente buscando uma fidelidade ao texto, postura que reduziu a fluência do depoimento. Ainda assim, esse senso de medida deve mudar a cada apresentação. E, seja como for, Othon e Juliana interagem de modo integrado.
Flavio Marinho ordena o fluxo de acontecimentos e lembranças de Othon Bastos num texto intencionalmente não autoral, que serve de veículo à exposição de uma carreira. Não significa que o elo de Flavio com o projeto seja impessoal. Ao contrário. Em sua dramaturgia, louva, por meio de referências afetivas, o refinamento do passado, característica detectada na recriação da atmosfera juvenil dos anos 1950 e 1960 em Splish Splash, nas diversas menções, em algumas de suas peças (Salve Amizade, Os 7 Brotinhos, Quatro Carreirinhas), a artistas emblemáticos, sejam brasileiros ou estrangeiros, que simbolizam um universo efervescente, nas reverências a figuras lendárias, como Cauby Peixoto (Cauby! Cauby!) e Judy Garland (Judy: O Arco-Íris é Aqui), e na recordação da Jovem Guarda (Sessão da Tarde). São reminiscências repletas de sabor nostálgico, geralmente contrapostas à degradação cultural dos dias de hoje.
Como autor, Flavio valoriza a história, as consistentes heranças das gerações anteriores. Em Não me Entrego, Não!, sinaliza essa preocupação de forma algo artificial (“momento google” – expressão que anuncia instantes de revisionismo), recurso, porém, que não diminui a pertinência da iniciativa. Além disso, na obra de Flavio nem tudo é necessariamente ruim no aqui/agora. A prova está na continuidade, repleta de vitalidade, de Othon no ofício. As principais contribuições artísticas do ator surgem estampadas numa tela de fundo (cenografia de Ronald Teixeira), que, apesar de sobrecarregada visualmente, dimensiona, de maneira sintética, a extensão e a magnitude de sua carreira.
Não me Entrego, Não! pode fazer a plateia evocar outro tributo a um ator: Sergio 80, montagem intimista – apresentada bem próxima do público – em que Sergio Britto comemorou seus 80 anos por meio de um apanhado minucioso de seu trajeto na profissão. Nesse novo trabalho, Othon Bastos impera em cena. Flavio Marinho propositadamente evita imprimir uma assinatura autoral na dramaturgia e na direção, mas também não se anula, a julgar pela coerência da realização em relação aos seus projetos já concretizados.
NÃO ME ENTREGO, NÃO! – Texto e direção de Flavio Marinho. Com Othon Bastos e Juliana Medella. Teatro Vannucci (R. Marques de São Vicente, 52/3º andar – Shopping da Gávea). De sex. e dom. às 20h, sáb., às 20h30. Ingressos: sex. e dom., R$ 100,00 e R$ 50,00 (meia-entrada), sáb., R$ 120,00 e R$ 60,00 (meia-entrada).
Tati Christine, Gab Lara e Gui Figueiredo em Querido Evan Hansen, espetáculo em cartaz no Teatro Multiplan (Foto: Carlos Costa)
Querido Evan Hansen é um exemplo de produto que se expande para novos formatos artísticos em decorrência da ampla adesão de público. Esse musical estrangeiro, que já foi adaptado para o cinema e para a literatura, desembarca na cena brasileira – em espetáculo dirigido por Tadeu Aguiar, atualmente em cartaz no Teatro Multiplan –, destacando questões comportamentais flagrantes nos dias de hoje.
Por meio da acidentada jornada de um adolescente – o Evan Hansen do título, que inventa histórias a respeito de um colega de escola que acaba de cometer suicídio –, a peça de Steven Lenson (com músicas e letras de Benj Pasek e Justin Paul) aborda a dificuldade de pertencimento dos jovens e o consequente enclausuramento em cotidianos solitários. Para afirmarem as próprias existências, não hesitam em divulgar informações falsas e enveredam pela exposição ininterrupta na esfera virtual. Conquistam popularidade, mas se veem confrontados com o julgamento instantâneo e cruel das redes sociais. Como se pode perceber, o autor traça uma radiografia analítica da juventude contemporânea.
A encenação de Tadeu Aguiar coloca o espectador diante de um mundo em retalhos, perspectiva sugerida na cenografia (de Natália Lana) composta de fragmentos de ambientes. A estrutura circular, que remete a armários de high school, se abre descortinando pedaços de recintos das casas, locais em que a ação se desenrola. Há uma escada sintetizando o espaço da escola e tiras geométricas suspensas onde são projetadas imagens de partes dos corpos e da natureza, além do descartável excesso de estímulos e da interação meteórica tão típicos do aqui/agora.
A intencional incompletude, evidenciada nos mencionados elementos simbólicos do cenário, também se manifesta na apresentação parcial dos personagens, resumidos a suas características centrais. Há o protagonista, que transita, de forma abrupta, da reclusão ao reconhecimento, a mãe sobrecarregada e empenhada, os pais enlutados, o rapaz agressivo e os colegas ansiosos e viciados em exposição virtual, todos com perfis realçados nos figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal.
O texto não fornece ao público retratos multifacetados – e nem essa é a proposta da dramaturgia -, mas um panorama de almas conflituadas, algumas tomadas por angústia lancinante. Apesar do considerável tamanho da produção, esse musical se diferencia de tantos outros ao priorizar tonalidades mais melancólicas em detrimento das habituais cores solares e esfuziantes. Uma concepção estética que parece ter norteado a iluminação de Dani Sanchez.
Sob a direção musical de Liliane Secco, os atores externam, por meio do canto, a desestabilização emocional de seus personagens, bem como eventuais revelações que movem a “trama”. Cada um dos integrantes do elenco demonstra afinação com os temperamentos determinados pelo autor. Gab Lara dimensiona, na exata medida, a fragilidade do protagonista e as alternâncias afetivas atravessadas por ele durante o texto. A introspecção de Evan Hansen não restringe a expressividade da interpretação do ator. Hugo Bonemer valoriza, através da contundência vocal, a revolta do rapaz extremado. Thati Lopes transmite o embate vivenciado pela jovem envolvida na tragédia familiar, mas munida de visão crítica. Gui Figueiredo e Tati Christine imprimem naturalidade às intervenções de seus personagens. Vannessa Gerbelli e Flavia Santana potencializam a intensidade dramática do sofrimento das mães. Mouhamed Harfouch tem possibilidades de atuação limitadas pela função reduzida do pai no texto.
Ao longo dos anos, Tadeu Aguiar não vem se fixando num modelo único de espetáculo. Investe de maneira decidida no musical – mas não “apenas” nessa vertente –, realiza montagens de porte variável – ainda que com certa tendência à grande produção –, aposta em dramaturgias de nacionalidades distintas – oscilando entre a brasileira, autoral (a cargo de Eduardo Bakr), e a norte-americana – e reúne elencos formados majoritariamente por artistas negros – iniciativa que evoca a praticada, décadas atrás, por Sergio Britto no seu período à frente da programação do Teatro Delfim, marcada por montagens de textos brasileiros. Em Querido Evan Hansen, o diretor conduz uma encenação inscrita na tradição do musical e, ao mesmo tempo, portadora de particularidades dentro do gênero.
QUERIDO EVAN HANSEN – Texto de Steven Lenson. Músicas e letras de Benj Pasek e Justin Paul. Direção de Tadeu Aguiar. Com Gab Lara, Vannessa Gerbelli, Flavia Santana, Mouhamed Harfouch, Hugo Bonemer, Tati Christine e Gui Figueiredo. Teatro Multiplan (Av. das Américas, 3900 / Piso SS1 – Shopping Village Mall). Qui. a sex., às 20h, sáb., às 18h e dom. “as 16h. Ingressos: de R$ 60,00 a R$ 350,00.
Débora Falabella em Prima Facie, montagem de Yara de Novaes em cartaz no Teatro Adolpho Bloch (Foto: Annelize Tozetto)
Prima Facie, peça de Suzie Miller, tende a afetar o público por meio da contundente denúncia de um sistema perverso que protege os homens diante de violências cometidas contra as mulheres. A autora concebeu uma estrutura claramente dividida em duas partes, cada uma representativa dos polos emocionais – a segurança decorrente das sucessivas conquistas profissionais e a vulnerabilidade gerada por um fato traumático – vivenciados pela personagem, a advogada Tessa.
Ela cruza de um extremo ao outro, da posição de ataque à de vítima, de maneira brusca. A transição é demarcada por uma passagem de tempo. O espectador é informado sobre ela através de recurso de projeção, no fundo do palco. Trata-se de um lapso de tempo, “não um intervalo e sim um hiato, uma fenda”, entre a cena anterior e o que virá a seguir. Esse hiato é um ponto enigmático, que pode assinalar, além da realidade objetiva, uma sensação subjetiva dentro de um texto, de resto, sempre direto. Tessa se refere ao choque que sofreu como acontecimento ocorrido poucas horas antes (portanto, não teria havido intervalo de tempo significativo). Mas depois a personagem menciona um arco temporal (“763 dias”, ela diz), destacando o prolongamento de sua via-crúcis existencial.
Seja como for, a fenda desponta como um símbolo. É através dela que Tessa, confrontada com a própria impotência diante da injustiça do mundo, consegue continuar sua jornada. A importância dessa brecha, determinante à sobrevivência da personagem, ganha visualidade concreta na montagem de Yara de Novaes por meio de uma pequena abertura no espaço cenográfico. Os conteúdos do texto surgem traduzidos, materializados, nos diversos setores de criação que integram a encenação. Por isso, o espetáculo, em cartaz no Teatro Adolpho Bloch, não se restringe à transmissão ao público de uma relevante mensagem de alerta, o que seria limitado sob o ponto de vista artístico.
O cenário de André Cortez traz elementos de ambiente corporativo – cadeiras, bancos, mesas, latas de lixo – em disposição vertical que realça a hierarquia das relações e a ambição de ascensão profissional/social. A alteração na disposição desses componentes da cena, na segunda parte do espetáculo, acompanha a abrupta mudança atravessada pela personagem. Os painéis de fundo sugerem uma solidez, não por acaso, desestabilizada à medida que a narrativa avança. E cabe chamar atenção para o equilíbrio cromático e a expressiva valorização de cores neutras (cinza, caramelo).
Os figurinos de Fabio Namatame são facilmente manipulados por Débora Falabella em rápidas trocas durante a apresentação. O predomínio do preto contrasta de modo intencional com a blusa rosa, que destoa da sobriedade do restante das roupas de Tessa. Tanto a blusa quanto a sobreposição desconjuntada de peças do figurino evidenciam o desajuste que a personagem sente de dado momento em diante. A iluminação de Wagner Antonio recorta o espaço – parede e chão – em formas geométricas, diminui de intensidade nas exposições das experiências mais íntimas de Tessa e se torna fria, dura, na revelação do trauma. Nesse instante – e na conclusão –, a atriz fala o texto no proscênio, indicando quebra brechtiana, mas sem se distanciar da personagem. A trilha sonora de Morris pontua a gravidade do ato que leva à virada de Tessa.
Débora Falabella interpreta Tessa numa peça estruturada como narração vivenciada. A personagem relata ao leitor/espectador (e, numa cena, para a câmera) aquilo que passou, mas sem afastamento emocional. A atriz demonstra admirável fluência e fôlego surpreendente na condução do texto. Constrói Tessa – sua firmeza e fragilidade – com exatidão e insere eventuais composições vocais de personagens circunstanciais sem enveredar pelo virtuosismo. Ao domínio da palavra, Débora Falabella acrescenta breves passagens de movimentação corporal desenvolta, especialmente na primeira parte da peça, quando a personagem ainda sustenta seu universo de certezas.
A dramaturgia de Prima Facie guarda possíveis conexões com outro espetáculo realizado por Yara de Novaes e Débora Falabella (mas tendo ambas como atrizes, sob a direção de Grace Passô): Contrações, texto de Mike Bartlett. Mesmo que em proporções distintas, nas duas peças a fronteira entre o público e o privado é demolida e a intimidade, devassada. Particularmente nessa nova montagem, as questões abordadas não ficam circunscritas ao plano do discurso. O texto se estende aos demais componentes da encenação e também aparece corporificado no trabalho da atriz.
PRIMA FACIE – Texto de Suzie Miller. Direção de Yara de Novaes. Com Débora Falabella. Teatro Adolpho Bloch (R. do Russel, 804). De qui. a sáb. às 20h e dom. às 18h. Ingressos: R$ 100,00/R$ 50,00 (meia-entrada), às qui. e sex.) e R$ 150,00/R$ 75,00 (meia-entrada) aos sáb. e dom.
Silvero Pereira em Pequeno Monstro, em cartaz no Teatro Poeira (Foto: Tainá Cavalcante)
Pequeno Monstro coloca a plateia diante do contraponto entre um discurso claro, objetivo, exposto de maneira direta, e uma concepção cênica enigmática, que estimula interpretações de quem assiste e valoriza a interface entre o teatro e outras manifestações artísticas (música, audiovisual e, em especial, artes plásticas).
O ator Silvero Pereira assina a dramaturgia centrada na questão da extrema violência traduzida em bullying e em frequentes assassinatos de crianças e jovens portadores de sexualidades que não se enquadram em normas pré-estabelecidas, massacres que, na maioria das vezes, repousam no anonimato. Silvero aborda essa tragédia perpetuada no decorrer do tempo, que diz respeito a muitos e, em particular, a ele – numa conjugação entre voz individual e voz coletiva que norteou outro solo que fez: BR Trans. Devido à preocupação em conscientizar sobre assunto tão relevante, o discurso é talvez excessivamente evidenciado.
Já na interação de Silvero com a proposta cenográfica (de Dina Salem Levy), Pequeno Monstro é uma montagem repleta de invisibilidades e desaparecimentos. Logo no início da apresentação dessa encenação dirigida por Andreia Pires, um tubo sinuoso de plástico toma conta do palco do Teatro Poeira e Silvero demora um pouco para aparecer – tubo, que, a partir de determinado instante, é simplesmente descartado pelo ator.
A cena também é composta por instrumentos de uma banda, dispostos no palco, mas sem que Silvero atue como músico – com exceção do final, ainda que o ato de extravasamento do ator seja bem mais importante do que um eventual virtuosismo musical. Antes disso, cada instrumento, distanciado de sua utilidade, é usado para simbolizar integrantes da família de Silvero.
Em dado momento, uma voz se impõe, mas sem a imagem do dono da voz, e Silvero transita por partes dos bastidores do teatro, espaços que o público não tem como acessar visualmente. Além disso, ao longo da apresentação desenhos estampam o corpo do ator. Como as imagens são projetadas, não aderem ao corpo. Somem de modo instantâneo, tanto as que se referem à sua ancestralidade quanto aquelas que caricaturam de forma preconceituosa e excludente um corpo que não segue padrões impostos.
A evocação de dolorosas lembranças possivelmente colabora para a segurança de Silvero em relação à palavra, mas a qualidade do seu trabalho, em corpo e voz, não se restringe ao atravessamento pessoal. O ator dá vazão à dramaturgia física de um corpo sufocado que transborda sem, com isso, perder o controle de sua presença em cena.
Pequeno Monstro gera alguma estranheza na oposição entre a concretude do texto expositivo – numa passagem, Silvero quebra a quarta parede e requisita a contribuição do público – e a criação estética – que resulta da articulação entre a cenografia e uma iluminação (de Sarah Salgado e Ricardo Vivian) que faz parte da espacialidade e inunda o palco com tonalidades fortes – mais aberta ao abstrato e repleta de ausências intencionais.
PEQUENO MONSTRO – Texto e atuação de Silvero Pereira. Direção de Andreia Pires. Teatro Poeira (R. São João Batista, 104). De qui. a sáb., às 20h, dom., às 19h. Ingressos: R$ 80,00 e R$ 40,00 (meia-entrada).
Renato Livera em Deserto, encenação de Luiz Felipe Reis sobre o escritor Roberto Bolaño (Foto: Renato Mangolin)
Por meio da encenação de Deserto, o diretor Luiz Felipe Reis não procura biografar o escritor Roberto Bolaño, mas, a partir dele, destacar questões centrais referentes ao lugar do artista no mundo. Logo na primeira cena da montagem, em cartaz no teatro Futuros, o Bolaño interpretado pelo ator Renato Livera chama atenção para a importância do artista lidar com o risco, o abismo, o incômodo, de existir afastado das estruturas de poder, como um outsider.
Considerando a realização desse trabalho – e dos anteriores da Cia. Polifônica –, parece haver uma adesão à renúncia de um caminho de facilidades e concessões. Em determinado momento de Deserto, porém, o diretor sugere certa desconfiança em relação a uma postura radical: aquele em que o ator exalta valores na voz de um militante inflamado (ou de um pastor messiânico), num ato de catarse que se transforma em transe.
Luiz Felipe Reis, também responsável pela dramaturgia, coloca o personagem (real), o ator e o público em diferentes posições. Aborda um Bolaño que transita entre México, Chile e Espanha, envolvendo-se com o contexto de cada um desses países, sem, contudo, que esse itinerância gere uma crise identitária. Propõe, brevemente, que a plateia do teatro se torne a plateia de uma conferência ministrada por Bolaño. E concebe uma cena em que Renato Livera oscila entre a incorporação e o descolamento de Bolaño ao assumir, numa entrevista, a voz do personagem e a do interlocutor.
Nessa passagem, Livera/Bolaño ainda interage consigo mesmo num entrelaçamento de tempos diversos (o presente, da entrevista e da cena realizada diante do público, e o passado, da imagem pré-gravada). Luiz Felipe Reis distingue teatro e cinema como artes, respectivamente, do aqui/agora e do passado, mas presentifica o audiovisual no instante em que o ator fala para a câmera em tempo real.
A integração entre teatro e audiovisual, uma das características da Cia. Polifônica, se dá, em Deserto, de forma não reiterativa – sem, portanto, o mero intuito de confirmar um dado discurso. As imagens da natureza simbolizam, por um lado, o avanço do tempo e, por outro, o eterno, perspectiva contrária à da finitude de Bolaño, obrigado a administrar grave problema de saúde.
As menções a nomes de mulheres e à maneira como foram assassinadas em decorrência da extrema opressão surgem diante da imagem da entrada de uma caverna. A câmera não adentra esse espaço, permanecendo frente ao desconhecido, ao ameaçador. É uma imagem para o espectador completar. E as projeções servem para informar o público sobre algo que Bolaño não sabe – ou não se lembra -, a exemplo da citação ao filme Os Últimos Passos de um Homem (1996), de Tim Robbins.
A abertura para variadas associações e articulações se mantém nas criações estéticas do espetáculo, seja no cenário (de André Sanches e Débora Cancio) que dispõe elementos do cotidiano profissional de Bolaño em cima de uma plataforma-folha, seja a iluminação (de Alessandro Boshini) que acompanha, mas sem ilustrar, a alternância de estados emocionais do escritor.
Numa montagem que mescla tempos distintos, Renato Livera evidencia vínculo inquebrantável com o presente da cena, perceptível na instantaneidade da fala. O ator demonstra pleno domínio da palavra aliado ao extravasamento físico, bem ajustado às reduzidas dimensões do teatro Futuros (direção de movimento de Lavínia Bizzotto).
Deserto é uma encenação que conjuga teatro e cinema, passado e presente, realidade e ficção, estimulando o espectador a traçar instigantes possibilidades de interpretação a partir de um mergulho no universo de Roberto Bolaño, transportado para o palco sem didatismo, nem hermetismo.
DESERTO – Direção e dramaturgia de Luiz Felipe Reis. Com Renato Livera. Futuros – Arte e Tecnologia (R. Dois de dezembro, 63). De qui. a dom., às 20h. Ingressos: R$ 60,00 e R$ 30,00 (meia-entrada).
Alessandra Maestrini, Lilian Valeska, Carol Garcia e André Dias em Kafka e a Boneca Viajante: até amanhã no Teatro Clara Nunes (Foto: Ale Catan)
Dois espetáculos atualmente em cartaz se debruçam sobre a interação entre o escritor Franz Kafka e uma menina inconsolável após a perda de sua boneca. Um, destinado ao público adulto, é Kafka e a Boneca Viajante, que, dirigido por João Fonseca, cumpriu temporada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e encerra as apresentações, nesse domingo, no Teatro Clara Nunes. O outro, voltado à plateia infanto-juvenil, é A História de Kafka e a Boneca Viajante que, sob a direção de Isaac Bernat, estreou recentemente no Futuros. Ambos partiram da mesma base – o livro do escritor Jordi Sierra I Fabra – na produção de dramaturgias próprias.
Determinado a minimizar o sofrimento da menina, Kafka teria começado a escrever cartas para ela como se fosse a boneca em viagem pelo mundo. A história traz à tona o esforço, inevitavelmente limitado, de suprir uma ausência (morte). Mas também destaca as infinitas aberturas para a imaginação a partir, no caso, da leitura das cartas fictícias. Ao ouvir as cartas lidas por Kafka, a menina fabrica as suas imagens. Uma amplitude ligada, de alguma maneira, à experiência vivenciada pelo espectador no teatro, uma manifestação artesanal, de restritas possibilidades visuais, que, justamente por isso, estimula quem assiste a projetar universos imaginários.
Em Kafka e a Boneca Viajante, Rafael Primot assina o texto, mantendo o foco na conexão entre Kafka e a menina. Há, contudo, momentos em que os atores saem dos personagens e fazem breves comentários, em intencionais quebras da ilusão. Nesses instantes, decorrentes da dramaturgia ou da direção, o caráter lúdico se desfaz e o texto se torna esgarçado. Em A História de Kafka e a Boneca Viajante, Julia Bernat, encarregada do texto, concentra na relação entre os personagens principais, sem interferências dispersivas.
João Lucas Romero e Laura Becker em A História de Kafka e a Boneca Viajante (Foto: Dalton Valério)
As concepções estéticas das montagens são bem distintas. No espetáculo de João Fonseca, cores intensas tomam conta da cena. O vermelho da cenografia de Nello Marrese e o azul da iluminação de Paulo Cesar Medeiros contrastam com os tons fechados dos expressivos figurinos de João Pimenta. O selo é elemento fundamental no cenário – há um grande, encravado no palco – e, perifericamente, uma mesa e uma cadeira sinalizam, de modo discreto, a atividade profissional de Kafka. Na montagem de Isaac Bernat, sobressai uma árvore de madeira, escolha justificada na passagem em que Kafka relata sobre a suposta jornada da boneca em Burkina Faso e faz referência à tradição do griot, objeto de pesquisa do diretor.
A música é componente realçado nas duas encenações. Em Kafka e a Boneca Viajante, a direção musical foi exercida por Tony Lucchesi e em A História de Kafka e a Boneca Viajante, por Pedro Luís. Nesse terreno, o primeiro espetáculo gera certo estranhamento devido à inclusão de canções conhecidas e heterogêneas, opção que destoa em meio a uma proposta artística consideravelmente autoral.
No que diz respeito às interpretações, os caminhos também foram diversos. As construções físicas e vocais imperam em Kafka e a Boneca Viajante (direção de movimento de Marcia Rubin). É o que se pode perceber na composição da boneca de Alessandra Maestrini – atriz que confirma a voz tecnicamente burilada e evita impor sua forte personalidade cênica sobre a personagem –, na postura irrequieta da menina de Carol Garcia – em criação que escapa da armadilha da caricatura –, no perfil soturno e contido do Franz Kafka de André Dias e na presença atenta de Dora, esposa de Kafka, feita por Lilian Valeska – os dois últimos integrantes do elenco acumulando, em cenas curtas, os papéis do soldadinho de chumbo e da gaivota. Em A História de Kafka e a Boneca Viajante, João Lucas Romero interpreta, com fluência, um Kafka enérgico, sanguíneo, e Laura Becker faz a menina sem chegar a imprimir uma característica mais específica.
Proposições para um enredo único, Kafka e a Boneca Viajante e A História de Kafka e a Boneca Viajante se distinguem nos vários campos de criação: operações dramatúrgicas, concepções estéticas e registros interpretativos. Os elos estabelecidos com os espectadores, evidentemente, são diferentes.
KAFKA E A BONECA VIAJANTE – Texto de Rafael Primot. Direção de João Fonseca. Com Alessandra Maestrini, André Dias, Carol Garcia e Lilian Valeska. Teatro Clara Nunes (R. Marquês de São Vicente, 52/3º andar). Hoje às 20h30 e amanhã às 19h. Ingressos: De R$ 19,50 a R$ 140,00.
A HISTÓRIA DE KAFKA E A BONECA VIAJANTE – Texto de Julia Bernat. Direção de Isaac Bernat. Com João Lucas Romero e Laura Becker. Futuros (R. Dois de Dezembro, 63). Sáb. e dom., às 16h (hoje e amanhã sessões extras às 18h). Ingressos: R$ 20,00 (meia-entrada) e R$ 40,00.
A memória do teatro vive em permanente risco. Mesmo nos dias de hoje, quando a preocupação com o registro dos espetáculos é notadamente maior que em décadas anteriores, não há como reter o acontecimento teatral. Uma apresentação é sempre diferente da outra. E, por mais longeva que seja a carreira de determinada montagem, a última noite inevitavelmente chegará.
Os melhores registros não reproduzem o momento imediato de conexão entre ator e espectador. Mas são fundamentais, ainda mais numa época em que a quantidade de programas impressos é cada vez menor. Um livro como Festival de Teatro de Curitiba (Edições Sesc São Paulo), que traz uma seleção de fotos de espetáculos captados por Lenise Pinheiro ao longo de 30 anos – 1992 a 2022, excetuado 2021 por causa da pandemia – de cobertura do evento, é, sem dúvida, um feito muito importante. Reúne preciosos instantâneos de cenas de montagens emblemáticas. Depois do lançamento na recém-encerrada edição do Festival de Curitiba, o livro ganha hoje nova sessão de autógrafos, no Sesc Pompeia, em São Paulo, acrescida de conversa entre Lenise e a dramaturga Luh Maza, com mediação de Gabriela Melão.
Se no monumental Fotografia de Palco, publicação dedicada ao ator e fotógrafo Fredi Kleemann, Lenise dividiu a vasta seleção de fotos em capítulos voltados para recortes das encenações (figurinos, cenários, iluminação), em Festival de Teatro de Curitiba o destaque recai sobre os rostos dos intérpretes, em close, apesar de várias fotografias evidenciarem as cenas de maneira ampla, panorâmica.
A trajetória de Lenise no Festival de Curitiba já tinha rendido, em 2022, uma exposição, intitulada Viva! 30 Anos, disposta no vão livre do Museu Oscar Niemeyer. Vale lembrar que Lenise também lançou um livro em homenagem ao Teatro Oficina (Fotografias – Teatro Oficina), no qual documentou os espetáculos desde a reabertura da companhia, rebatizada de Uzina Uzona – de As Boas a Cacilda!!!. Em relação a Festival de Teatro de Curitiba, livro intercalado com depoimentos de artistas e da própria Lenise, não há como mencionar todos os espetáculos representados por meio das fotos, mas cabe ressaltar alguns, ano a ano:
1992
Sonhos de uma Noite de Verão
Direção: Cacá Rosset
Elenco: Grupo Ornitorrinco
As Boas
Direção: José Celso Martinez Corrêa
Elenco: Teatro Oficina/Uzyna Uzona. Ator convidado: Raul Cortez
Miriam Virna, Cleani Marques e Catarina Acioly em Ir e Vir, parte do projeto Felizes para Sempre, dos Irmãos Guimarães (Foto: Lenise Pinheiro)
2004
O que Diz Molero
Direção: Aderbal Freire-Filho
Elenco: Chico Diaz, Augusto Madeira, Orã Figueiredo, Raquel Iantas.
Agreste
Direção: Marcio Aurélio
Elenco: Joca Andreazza e Paulo Marcello
2005
Foi Carmem
Direção: Antunes Filho
Elenco: Centro de Pesquisa Teatral (CPT)
Hysteria
Direção: Luiz Fernando Marques
Elenco: Grupo XIX de Teatro
Baque
Direção: Monique Gardenberg
Elenco: Deborah Evelyn. Emílio de Mello, Carlos Evelyn
2006
A Descoberta das Américas
Direção: Alessandra Vanucci
Elenco: Julio Adrião
Otelo da Mangueira
Direção: Gustavo Gasparani
Elenco: Marcelo Capobiango, Claudia Ventura, Susana Ribeiro, Gustavo Gasparani, Ana Carbati, Patrícia Costa, Jorge Medina, Juliana Clara, Lilian Valeska, Sheila Mattos, Pedro Lima, Marcelo Vianna, Erika Riba, Sueli Guerra, Anderson Mello, Aldri Anunciação, Rodrigo França, Jurema da Mata, Jorge Maya
2007
A Alma Imoral
Direção: Amir Haddad
Elenco: Clarice Niskier
A Hora e a Vez de Augusto Matraga
Direção: André Paes leme
Elenco: Vladimir Brichta, Fábio Lago, Jackson Costa, Ernani Moraes, Pedro Gracindo, Georgiana Góes, Marcelo Flores, Adriano Saboya, Cyda Morenyx, Francisco Salgado
Besouro Cordão de Ouro
Direção: João das Neves
Elenco: Alan Rocha, Ana Paula Black, Cridemar Aquino, Gilberto Santos da Silva Laborio, Iléa Ferraz, Leticia Soares, Mauricio Tizumba, Nívea Magno, Raphael Garcia, Sergio Pererê, Valéria Monã, Victor Alvim Lobisomem, William de Paula, Wilson Rabello
2008
Aqueles Dois
Direção e atuação: Cia. Luna Lunera
2009
Rainhas
Direção: Cibele Forjaz
Elenco: Georgette Fadel e Isabel Teixeira
O Estrangeiro
Direção: Vera Holtz
Elenco: Guilherme Leme Garcia
A Mulher que Escreveu a Bíblia
Direção: Guilherme Piva
Elenco: Inez Viana
2010
Till, a Saga do Herói Torto
Direção: Júlio Maciel
Elenco: Grupo Galpão
In On It
Direção: Enrique Diaz
Elenco: Emilio de Mello e Fernando Eiras
Memória da Cana
Direção: Newton Moreno
Elenco: Os Fofos Encenam
Simplesmente Eu, Clarice Lispector
Direção: Amir Haddad
Elenco: Beth Goulart
Vida
Direção: Marcio Abreu
Elenco: Companhia Brasileira de Teatro
2011
Inverno da Luz Vermelha
Direção: Monique Gardenberg
Elenco: Marjorie Estiano, Rafael Primot, André Frateschi
Sonhos para Vestir
Direção: Vera Holtz
Elenco: Sara Antunes
Oxigênio
Direção: Marcio Abreu
Elenco: Companhia Brasileira de Teatro
Sua Incelença, Ricardo III
Direção: Gabriel Villela
Elenco: Clowns de Shakespeare
2012
Julia
Direção: Christiane Jatahy
Elenco: Julia Bernat, Rodrigo dos Santos
De Verdade (Ou a Mulher Certa)
Direção: Marcio Abreu
Elenco: Kika Kalache e Guilherme Piva
Palácio do Fim
Direção: José Wilker
Elenco: Vera Holtz, Camila Morgado e Antônio Petrin
O Idiota: Uma Novela Teatral
Direção: Cibele Forjaz
Elenco: Mundana Companhia de Teatro
A Peça do Casamento
Direção: Pedro Brício
Elenco: Guida Vianna e Dudu Sandroni
O Jardim
Direção: Leonardo Moreira
Elenco: Cia. Hiato
Estamira – Beira do Mundo
Direção: Beatriz Sayad
Elenco: Dani Barros
Ato de Comunhão
Direção e atuação: Gilberto Gawronski
Luis Antonio-Gabriela
Direção: Nelson Baskerville
Elenco: Cia. Mungunzá de Teatro
Gilberto Gawronski em Ato de Comunhão (Foto: Lenise Pinheiro)
2013
Esta Criança
Direção: Marcio Abreu
Elenco: Companhia Brasileira de Teatro
Pólvora e Poesia
Direção: Marcio Aurélio
Elenco: João Vitti e Leopoldo Pacheco
2014
Contrações
Direção: Grace Passô
Elenco: Debora Falabella e Yara de Novaes
Cais ou Da Indiferença das Embarcações
Direção: Kiko Marques
Elenco: Velha Companhia
Quem tem Medo de Virginia Woolf?
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Zezé Polessa, Daniel Dantas, Erom Cordeiro e Ana Kutner
BR Trans
Direção e atuação:Silvero Pereira
2015
Gotas D’Água sobre Pedras Escaldantes
Direção: Rafael Gomes
Elenco: Luciano Chirolli, Gilda Nomacce, Nana Yazbek, Felipe Aidar
2016
Um Bonde Chamado Desejo
Direção: Rafael Gomes
Elenco: Maria Luisa Mendonça, Eduardo Moscovis, Virginia Buckowski, Donizeti Mazonas, Fabrício Licursi, Fernanda Castello Branco e Matheus Martins
Urinal
Direção: Zé Henrique de Paula
Elenco: Núcleo Experimental
Caranguejo Overdrive
Direção: Marco André Nunes
Elenco: Aquela Companhia
2017
Antígona
Direção: Amir Haddad
Elenco: Andréa Beltrão
A Casa dos Budas Ditosos
Direção: Domingos Oliveira
Elenco: Fernanda Torres
2018
A Ira de Narciso
Direção: Yara de Novaes
Elenco: Gilberto Gawronski
Tom na Fazenda
Direção: Rodrigo Portella
Elenco: Armando Babaioff, Gustavo Vaz, Kelzy Ecard e Camila Nhary
Grande Sertão: Veredas
Direção: Bia Lessa
Elenco: Caio Blat, Luisa Arraes, Luiza Lemmertz, Leon Góes, Daniel Passi, Leonardo Miggiorin, Balbino de Paula.
Cena de Sonho de uma Noite de Verão, encenação da Trupe Ave Lola (Foto: Maringas Maciel)
Reproduzir no palco a natureza esplendorosa minuciosamente descrita por William Shakespeare nas páginas de Sonho de uma Noite de Verão é uma tarefa quase impossível. Ana Rosa Genari Tezza, à frente da Trupe Ave Lola e dessa montagem do grupo (atração do Fringe na recém-encerrada edição do Festival de Curitiba), não procura reconstituir tais imagens. Ao contrário, investe na síntese. É justamente a construção da cena a partir de elementos reduzidos que acentua a teatralidade desse trabalho.
Na contramão dos aparatos tecnológicos, essa encenação busca estimular a imaginação do espectador por meio de recursos restritos – basicamente lençóis e praticáveis. Há pouco mais na ambientação cenográfica de Daniel Pinha, como a cortina de tiras vermelhas, cor também escolhida para o chão. Mesmo com o impacto do vermelho, a concepção estética é marcada pelo predomínio do branco e do preto dos figurinos de Ana Rosa Genari Tezza e Helena Tezza, com destaque para transparências.
A percepção de que a arte teatral independe de um acúmulo de objetos surge manifestada na própria peça de Shakespeare. Como afirma o carpinteiro Pedro Cunha, um dos integrantes da representação preparada para a cerimônia de casamento de Teseu e Hipólita, “essa nesga de grama será nosso palco”.
Personagens reais e fantásticos se mesclam nessa peça, ambientada, em boa parte, num bosque nas proximidades de Atenas. Nessa fantasia amorosa, oscilante entre sonho e realidade, jovens, confrontados com a intolerância dos mais velhos, simbolizada por Egeu, fogem para não se separarem. Os quiproquós emocionais incluem Hérmia, Helena, Lisandro e Demétrio, que têm seus sentimentos momentaneamente alterados por uma espécie de poção mágica pingada nos olhos pelo irrequieto duende Bute.
Os trabalhadores, que experimentam o ofício da atuação nos mencionados ensaios para a representação, acabam sendo inseridos numa teia de enganos que agita esse suave exemplar da dramaturgia de Shakespeare. Ao ensaiarem o interlúdio, os trabalhadores se conscientizam da distância entre ator e personagem. Falam sobre a importância de alertar o público para o fato de que não estão se fundindo, se amalgamando, aos personagens, mas que permanecem descolados deles, apesar de portarem as identidades ficcionais durante a apresentação.
Ainda que envolva o leitor/espectador na atmosfera de um mundo delirante e febril (como a paixão), Shakespeare rompe com a ilusão ao frisar o teatro como fingimento, como artifício. Em sintonia com essa perspectiva, o elenco da Trupe Ave Lola – formado por Cesar Matheus, Helena de Jorge Portela, Helena Tezza, Kauê Persona, Larissa de Lima, Marcelo Rodrigues, Pedro Ramires, Wenry Bueno e Willa Thomas – não encarna os personagens, não some por trás deles, mas se dedica a um registro em que a interpretação intencionalmente aparece, assim como a qualidade no dizer o texto.
A opção por Sonho de uma Noite de Verão é coerente com a trajetória da Trupe Ave Lola, que costuma se afastar do realismo e enveredar pela trilha do onírico. A conexão do público com o espetáculo é favorecida pelo espaço de apresentação – uma tenda, erguida na sede da companhia – que realça o caráter lúdico da empreitada.