Mais repetições que variações
Clara Sverner, Nathalia Timberg, Tadeu Aguiar e Gustavo Engracia (alto) em 33 variações, montagem de Wolf Maya para o texto de Moyses Kaufman (Foto: Airton Silva)
A música norteia os personagens principais da montagem de Wolf Maya para o texto de Moyses Kaufman que inaugura um espaço no Rio de Janeiro, o Teatro Nathalia Timberg, na Barra da Tijuca: Ludwig van Beethoven e a musicóloga Katherine Brandt, determinada a descobrir porque o compositor alemão teria se encantado com uma valsa de qualidade questionável, de autoria do austríaco Anton Diabelli, a ponto de criar as 33 variações que intitulam a peça de Kaufman. Não por acaso, a música surge no centro da cena por meio da presença da pianista Clara Sverner, localizada numa espécie de palco suspenso, por trás de uma tela transparente. Apesar de a música ser inserida de maneira ocasionalmente ilustrativa ao longo do espetáculo, cabe destacar o espaço privilegiado concedido.
Mas há reiterações impostas pela direção de Wolf Maya que prejudicam a montagem, como o emprego de projeções (de Rico e Renato Vilarouca). Algumas delas – como a do avião ou a da paisagem de Bonn, onde Katherine decide se exilar com o intuito de verticalizar sua pesquisa sobre Beethoven – soam excessivas. Também não se justificam as participações do elenco de apoio, encarregado de figurações desnecessárias, como a da boate em Nova York, com exceção da cena final, na qual cantam dispostos nas laterais altas do teatro. Em certos instantes, marcadamente em passagens com Beethoven, essas laterais são utilizadas de forma gratuita.
O problema da repetição, contudo, é anterior à realização do próprio espetáculo, na medida em que pode ser detectado no material dramatúrgico. Moyses Kaufman estrutura a peça em dois planos temporais. Num, ambientado no século XIX, estão Beethoven, seu assistente e Diabelli; no outro, no século XX, Katherine, a filha, o namorado e uma amiga. A conexão entre os planos é bem evidenciada: Beethoven e Katherine são obcecados – ele pela valsa de Diabelli, ela por desvendar o fascínio dele pela tal valsa. Além disso, ambos enfrentam limitações de saúde crescentes – Beethoven, vitimado pela surdez (ainda que não tenha ficado impedido de compor cada vez mais), e Katherine, por uma doença degenerativa.
Se o plano de Beethoven resulta monótono – um tanto agitado, mas sem vida, de fato –, o de Katherine tem dados sublinhados e esbarra em falta de verossimilhança. A musicóloga considera a filha medíocre, avaliação constantemente trazida à tona no decorrer do texto. Como seria de se esperar, elas se reconciliam, em momento piegas da peça. O namoro da filha com um jovem médico não convence porque, mesmo que ele externe fixação pela mãe e o trate sem grandes manifestações de afeto, ele segue proclamando amor incondicional.
Os atores são atingidos por fragilidades contidas no texto e pela condução do espetáculo. Gustavo Engracia sobrecarrega um pouco na composição do assistente de Beethoven. Flavia Pucci confere muita dramaticidade à filha. A dramaturgia não possui consistência suficiente para sustentar o peso que a atriz dá às falas. Gil Coelho imprime registro natural, espontâneo, ao médico. Lu Grimaldi interpreta a amiga com correção e linearidade. Tadeu Aguiar injeta entusiasmo em Diabelli. Wolf Maya investe na construção física de um Beethoven escrachado. Nathalia Timberg se mostra apropriadamente sóbria como Katherine e reafirma sua habilidade em reagir à escuta. Estabelece, desse modo, boa contracena com os demais personagens.
A iluminação de Aurélio de Simoni delimita focos, áreas de concentração, no palco. O cenário de J.C. Serroni sugere diferentes locações através de uma estrutura interessante, mas pesada. Conforme já dito, porém, realça a música, espinha dorsal do texto, por meio do lugar destinado a Sverner. A encenação de 33 variações representa a continuidade de uma parceria que vem rendendo bons frutos – entre a atriz Nathalia Timberg e o diretor e ator Wolf Maya, a julgar pelas duas últimas montagens (na segunda metade das décadas de 1980 e 1990) de Meu Querido Mentiroso, de Jerome Kilty. Em todo caso, permanece a impressão de que esse novo espetáculo deveria ser mais simples, despojado, sintético, no sentido de confiar mais na imaginação do espectador ao invés de procurar materializar as imagens.