Repetição ao longo do tempo
Ângela Câmara, Julio Adrião, Claudia Mele e José Karini em Beija-me como nos Livros (Foto: Dalton Valério)
Ivan Sugahara se debruça, em Beija-me como nos Livros, sobre um período extenso – do medieval ao romantismo alemão, passando pela efervescência da dramaturgia elisabetana e pelo brilho do célebre comediógrafo do classicismo francês – a partir da escolha das obras Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Don Juan e Werther. Paradoxalmente, a montagem da Cia. Os Dezequilibrados, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, parece algo estacionada, como se o diretor colocasse o público mais diante de um quadro estático do que de um panorama em movimento.
A conexão pela temática da experiência amorosa (Sugahara traça ligação entre esse espetáculo e anteriores do grupo), realçada por meio de cenas que chamam atenção para um espelhamento entre presente e passado, não levaria necessariamente à sensação de uniformidade, de equivalência entre os momentos. Há a dificuldade imposta pelo desafio de imprimir colorido ao gromelô (tarefa concentrada, em boa parte, na variação de sotaques). Mas a articulação de um texto ininteligível não é o único – e nem o maior – elemento que contribui para certo congelamento.
A repetição decorre de uma constante reedição dos mesmos procedimentos – principalmente, a preocupação de esclarecer, de localizar o espectador, de maneira didática, em relação aos planos distintos, através de cenas que frisam que as personagens clássicas saem de dentro dos livros. Em todo caso, Sugahara embaralha, de modo oportuno, as esferas (a do presente, no qual os atores se referem uns aos outros pelos próprios nomes, e a do passado, no qual portam os de personagens).
A inversão entre as instâncias temporais também desponta na iluminação de Renato Machado, mais nostálgica para o presente e mais fria para o passado, ao contrário do esperado. A trilha sonora, a cargo de Sugahara, evoca períodos históricos diversos, assim como os figurinos de Bruno Perlatto, que sobrepõe trajes de época a uma roupa-base. O cenário de André Sanches é formado por cortinas transparentes e praticáveis compostos por livros estilizados – uma boa ideia que não resulta cenicamente. Os atores (Ângela Câmara, José Karini, Claudia Mele e Julio Adrião) correspondem às exigências do projeto, revelando fluência no gromelô e nas marcações pelo espaço (direção de movimento de Duda Maia).
Além da continuidade temática, Beija-me como nos Livros traz à tona determinadas influências da companhia, como o cinema, destacado no emprego do rewind e do fast-forward em algumas passagens. Mais provocante na proposta que na realização, a montagem, porém, concretiza suas ambições em dados instantes – em especial, na bem resolvida cena final.