Uma atuação comprometida
Silvero Pereira em BR Trans (Foto: Lina Sumizono)
Logo no início de BR Trans, montagem que tomou conta do Galpão Gamboa no último final de semana, Silvero Pereira aparece em cena caracterizado, mas falando em primeira pessoa sobre sua conexão com o universo dos travestis, transformistas e transexuais. No decorrer do espetáculo, o ator sugere uma identidade híbrida ao transitar entre o registro documental e a incorporação de personagens, borrando, porém, essas fronteiras. Em alguns momentos, como no começo, Silvero, mesmo caracterizado, quebra a quarta parede e se expressa de forma “desarmada”. Em outros, destaca a estilização dos shows de boate, marcados por interpretações fundadas em composições carregadas, sem, contudo, perder de vista o elo pessoal com o mundo descortinado diante do espectador.
O texto da encenação, naturalmente a cargo de Silvero, embaralha as esferas do real e do ficcional em torno do pantanoso terreno da sexualidade: traz à tona a franqueza do depoimento cru, confessional, “sem efeitos”, sobre a jornada do intérprete; frisa, de modo contundente, os assassinatos constantes de travestis levados à prostituição; apresenta a personagem (Gisele) que Silvero construiu após longa observação; e reúne relatos sobre figuras encontradas pelo caminho, buscando certa abrangência nacional (conforme evidenciado no título). Referências diversas são devidamente entrelaçadas na malha dramatúrgica da montagem de Jezebel de Carli. Acompanhado pelo músico Rodrigo Apolinário, Silvero Pereira inscreve os nomes que menciona na própria pele, operação que realça seu vínculo com as questões viscerais expostas em cena.
BR Trans integra uma vertente bastante em voga no instante atual, não “só” no campo teatral como no cinematográfico, a julgar pela determinação dos artistas de se colocarem como personagens de suas obras ao utilizarem vivências como material de trabalho. De diferentes maneiras, encenações como as de Luis Antonio-Gabriela, dirigida por Nelson Baskerville, e os solos que constituem o projeto Ficção, da Cia. Hiato, conduzida por Leonardo Moreira, pertencem a essa corrente.