Radiografia das relações no mundo contemporâneo
Cena de Para os que estão em Casa: ciranda virtual (Foto: Julia Rónai)
Nos últimos tempos, alguns espetáculos vêm evidenciando a necessidade de abordagem das relações humanas nessas primeiras décadas do século XXI, principalmente no que diz respeito à substituição do contato real pelo virtual. Em Para os que estão em Casa, em cartaz no Espaço Sesc, Leonardo Netto buscou inspiração num filme dos anos 1990, Denise está Chamando, de Hal Salwen, mas a distância não é percebida. Como muitas pessoas nos dias de hoje, os personagens do texto que escreveu a partir da referência do filme priorizam o elo virtual, possivelmente devido ao medo de serem confrontados com o descompasso entre a imagem idealizada do outro e a verdadeira. Manter a separação geográfica soa mais seguro sob o ponto de vista afetivo.
A estrutura da cena realça o panorama descortinado por Leonardo Netto, com os personagens mergulhados em seus nichos, comunicando-se uns com outros apenas por meio de aparatos tecnológicos. O fato de os personagens ficarem encastelados em suas próprias casas se torna um desafio para os atores porque os impede de estabelecer contracena direta, olho no olho. Netto, que, além de autor, acumula a função de diretor (e mais a trilha sonora e os vídeos, estes em parceria com Renato Livera), valoriza a integração entre os atores na “distância”, a julgar pelo resultado equilibrado, harmonioso, obtido pelo elenco (formado por Adassa Martins, Ana Abott, Beatriz Bertu, Cirillo Luna, Isabel Lobo, João Velho e Renato Livera), no qual se destacam Adassa e João.
O painel traçado por Leonardo Netto é imediatamente reconhecível pelo público e, ao longo do espetáculo, o autor mais confirma um determinado quadro do que acrescenta novas informações. Mesmo assim, demonstra preocupação com certas sutilezas e proposições. À medida que os relacionamentos se desenvolvem, ainda que em esfera virtual, os personagens parecem um pouco menos atados à tecnologia. E uma personagem desvinculada do grupo, que gera desestabilização, transita fora da ciranda composta por todos os outros, que simbolizam a condição paradoxal de entrar em contato com o mundo ao permanecerem em espaços fechados. A iluminação de Aurélio de Simoni recorta, fraciona, o palco, em sintonia com o universo temático.